Bocejos de um dinossauro (2) - Oscar 2017

Bocejos de um dinossauro (2) - Oscar 2017


Prezada senhora, atendendo a sua solicitação, venho por meio desta esclarecer alguns pontos sobre a citada premiação cinematográfica que em breve irá ocorrer. De ante mão lanço a advertência de que não assisti todos os indicados, primeiro por falta de acesso, segundo por escassez de paciência. Desse modo, só posso dar testemunho do que vi e do que tentei ver. Assim, sem mais delongas, vamos ao que interessa.

1. “Cercas”, filme dirigido pelo Denzel Washington, que entre outros também interpreta, e em duas palavras lhe digo o resumo: um saco. Se o trabalho bailou durante os meus olhos durante 15 minutos, foi muito. É aquele tipo de filme ratoeira, o tempo todo no mesmo local, ele fala sem parar, oh céus, brequei o aparelho e dei os trâmites por findos. Apesar de nutrir sincera apreciação pelo Denzel, não me arrisquei a ficar 2 horas e 15 minutos preso no que supus uma arapuca. Caso eu esteja redondamente enganado, situação que me tem sido familiar desde maio de 1960, peço desculpas.

2. “Manchester à beira mar”. Bom, o papo é o seguinte, se a senhora gosta de drama, prato cheio. Um tanto supliciante o exercício de assistir, mas existem coisas piores, tipo cavar valas, por exemplo, e na minha modestíssima opinião diretor&roteirsta&etc. pegaram o conceito do drama e turbinaram o troço, assim, virou uma coisa absurdamente dramática pero estilosa, fotografia impecável, linguagem com um quê modernoso, e resultado…nulo. Ou se preferir, resultado dãah. Caso a sra. prefira um drama mais elegante, ouso sugerir "Laços de Ternura” (Terms of Endearment), 1983, faturou uma pá de estátuas no ano seguinte e mesmo com o correr das décadas conserva-se esguio como um cisne, dir-se-ia até mesmo salutar.

3. "Estrelas Além do Tempo”. Olha, vamos combinar, dinossauro já comeu de tudo, caviar, filé mignon, minhocas, ostras, iorgut (conheci um sujeito que falava assim mesmo - iorgut - cuidado que isso contagia), dinossauro é um chato de galocha e taí um filme que era pro Spielberg ter dirigido. Então, enquanto filme, nota 5, enquanto história (verídica), nota mil. Em 1958 três moças afro-americanas conseguem emprego na NASA e o trabalho delas simplesmente fez toda a diferença no programa espacial do Grande Irmão. Vale a pena.

4. "A Chegada”. Ponto fundamental: o ser humano continua infantil com suas crenças acerca da vida extraterrestre. Existe a escola dos que angariaram 80 diplomas e atestam que não existe. Dá vontade de chorar perante tamanha limitação, senão presunção, supor sermos os únicos inteligentes(?!), justo nós, atolados até aqui num mar de sangue, egoísmo, torturas, tormentos, mesquinharias, pataquadas tragicômicas milenares. Outro ponto: sim, os ETs existem e são parecidos com uma forma mista de caranguejeira e lagosta descomunal. Descontando esses fatores “A Chegada” reserva alguma inteligência, lá pelo final o autor do argumento bate na tecla do Eterno Agora do jeito dele e, tudo bem, ora essa, é cinema, válido num dia de chuva ou numa noite enluarada.

5. "La La Land”. Parei na cena em que eles estão voando, eles, digo, o casal principal, tudo muito bonito e bem filmado, em se tratando de um musical tolice julgar argumento e contexto e premissas mil. Qualquer dia volto para continuar a assistir do ponto em que parei.

6. "Café Society”, a senhora me perdoe, esse não está na lista do concurso, o irmão Woody Allen continua inteligente, citei esse trabalho visto que sua plasticidade é muito similar a do "La La Land”, uma coisa bonita de ver, aliás, a senhora sabia que a Panavision não vende as câmeras? Só aluga. Curioso isso, não? Nem que você seja o Bill Gates e resolva gastar um troco numa câmera de cinema para brincar no jardim, filmar passarinhos raros, crianças, flores, eles não vendem. Uma maneira instigante de fazer negócios. Sim, "Café Society” é uma boa pedida.

7. “Florence”. Deu-se comigo igual fenômeno ocorrido no filme do Denzel. Duas palavras, again: um saco. Esse acho que não retomo. (Ai, ai, o peixe morre pela boca… Cinco dias após a publicação deste arremedo de crônica retomei e fui até o fim. Veredicto: filme bem intencionado contando uma história digna de nota).

8. “Sully”. Me parece, veja bem, que “Sully” teve uma indicação. Numa palavra: imperdível. É de se admirar que o Eastwood, aos 86 anos, tenha trazido para nós em 2016 fato ocorrido em 2009, desses que a gente ouve falar e encolhe os ombros, tanto somos bombardeados com aquilo que se diz informação. Sim, a senhora pode apostar todas as suas fichas que este é um trabalho de primeira, além de uma celebração a vida, Tom Hanks faz o Capitão Chesley "Sully" Sullenberger, que pousa um AirBus em pleno rio Hudson (Nova Iorque), salva 155 almas e os manda chuvas querem literalmente fritá-lo, mas ele se defende, não sem antes o cineasta nos mostrar que a vida é também um jogo de percepção incrível, quiçá perigoso, atordoante e que em alguns momentos somos levados a agir numa base de dados pouco acessível ao ser humano comum. Se a senhora quer saber, meu parecer é que a Presença Eu Sou do Capitão Chesley agiu livremente naquelas cruciais frações de segundos. Há um detalhe interessante, colocado no meio do filme, não sei se fruto do livro ou do próprio Eastwood, é o Sully jovem sendo instruído por um veterano, que lhe diz: Sempre pilote o avião.

9. “Snowden”. Apesar de lançado em novembro de 2016, não figura em nenhuma categoria de indicação. Bastante suspeito, isso. Por que será? O senhor Oliver Stone há muito já provou sua capacidade de fazer cinema, bem como Allen e Eastwood. A propósito, eis uma bela trinca de dinossauros. “Snowden”, para todo aquele que se sente presente na contemporaneidade, e cuja consciência ainda não foi engolida pela Lava Jato, pelo Trump ou pelo Ísis, digo para a senhora e para qualquer um: trata-se de um filme obrigatório.



(Imagem: Arthur Pollock, entrega de um dinossauro para o Museu de Ciência de Boston, 1984)
 
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 17/02/2017
Reeditado em 04/06/2020
Código do texto: T5915471
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