"Malandro é Malandro e Mané é Mané’’: O ‘’jeitinho’’ e a cultura da malandragem à brasileira

‘ Malandro é malandro. Mané é mané. Pode crer que é’’. Esse é o primeiro verso do samba de Bezerra da Silva, cujo título “plagio’’ neste texto. A música, escrita há mais de trinta anos (1986), parece ter sido escrita ontem. Não? O termo “Mané’’ é popularmente utilizado de forma pejorativa para designar indivíduos supostamente pacatos, simplórios e tidos como pouco inteligentes pela “ingenuidade’’ daqueles que desconhecem que “o mundo é dos espertos’’ e não sabem aproveitar as oportunidades (oportunistas) que a “sorte’’, os “bons contatos’’, “um agrado’’, ser amigo do “fulano de tal’’ ou uma pequena ‘’taxa de urgência’’ podem oferecer.

Em um país onde quem é honesto é chamado de ingênuo, enquanto o malandro é chamado de esperto, é um paradoxo. Por exemplo, falar-se cobras e lagartos dos políticos cujos nomes aparecem na mídia envolvidos em corrupção. Afinal de contas, eles “apenas’’ têm a “sorte’’ de terem sido eleitos, têm excelentes contatos e amigos tão ou mais poderosos que eles.

Por esses motivos, eles “podem mais’’ e estão apenas dando o “jeitinho’’ que podem, também podendo deixar a nação “se sacudindo’’, pois na vida cada um tem seus problemas, seu caminho e sua sorte, luta com as armas que tem e se vira como pode, certo?

Fácil falar... Afinal, são só 81 senadores, 513 deputados federais, 24 ministros e “meia dúzia’’ de magnatas, um átomo perante a uma população de mais de 206 milhões de habitantes... Mas claro, eles são “o problema do Brasil’’ é a “corja de Brasília’’ e a elite, sobretudo porque estamos bem longe da posição desse “bando de sanguessugas’’, não é mesmo?

Há no imaginário popular alguns estereótipos atribuídos ao povo brasileiro, sendo o do “bom malandro’’ do "jeitinho brasileiro" um dos principais deles. Sabe aquilo que não é “tão correto’’, mas parece inofensivo, pois todo mundo faz, porque “no Brasil é assim mesmo’’? Parece tão natural dizer “se eu não fizer, outro faz’’, “quem tem padrinho não morre pagão”, "quem pode mais chora menos" ou “quem pode, pode; quem não pode, se sacode’’, e muitos reduzem a ética a um recurso discursivo retórico quando eles “se sacodem’’ na história.

A antropóloga brasileira Lilia Moritz Schwarcz afirma que “O Brasil pratica uma política de eufemismos”, pois nossa ditadura foi melhor, foi uma ‘’ditabranda’’, nosso racismo é melhor (“quase não existe’’)... (“mil aspas’’ aí!), nossa escravidão foi melhor (menos violenta que a norte-americana) e entre os nossos eufemismos está o “jeitinho brasileiro’’, expressão mais evidente do que chamo de cultura da malandragem à brasileira, característica dessa política de eufemismos, que se expressa no “jeitinho brasileiro’’.

A começar pelo eufemismo empregado na própria expressão, dar um “jeitinho’’ parece algo tão inocente quanto as traquinagens infantis - a maioria delas é considerada aceitável enquanto “coisa de criança’’, merecendo eventualmente apenas uma branda repreensão. Assim vamos vivendo como Peter Pan, na “terra do nunca’’, algo do tipo ‘’Eu só peço a Deus um pouco de malandragem, pois sou criança e não conheço a verdade’’, como cantava Cássia Eller.

Mas a malandragem não é uma infantilidade, nem mesmo um “errinho bobo’’, ela é desonesta e honestidade não tem meio termo, ou uma atitude é honesta ou não é. Essa questão é uma daquelas associadas ao caráter de cada um, para a qual não valem argumentos do tipo “toda regra tem sua exceção” ou “depende do ponto de vista”.

. O diminutivo também dá um tom inofensivo a práticas necessariamente desonestas e lesivas, cuja recorrência não as torna menos levianas ou danosas, mas sim, demonstra uma hipocrisia social generalizada, disfarçada por um mero jogo de palavras, de modo que o “jeitinho brasileiro’’ não passa de um truque semântico, uma estratagema em si mesmo, pois desonestidade é uma palavra muito forte e a alcunha de desonesto não é conveniente nem confortável a ninguém.

Nunca ouvi ninguém dizer “Eu sou desonesto’’, no máximo a pessoa admite, até com certa altivez, que é “esperta’’ e que sabe dar um “jeitinho’’ para tudo. Curioso é que o “jeitinho’’ de uns é chamado de desonestidade por outros, e assim configura-se como um contraditório ciclo vicioso, em que todo cidadão parece enxergar-se como uma ilha de reserva moral cercada de desonestidade por todos os lados.

. Em resumo, o “jeitinho brasileiro’’ baseia-se naquela velha história do “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço’’, mas, como dizem que a melhor defesa é o ataque, sempre existe um bode expiatório para os nossos “jeitinhos’’, e o mais comum é acusar quem supostamente “faz pior’’, mas quando o sujo fala do mal lavado qualquer argumento se reduz à hipocrisia.

José Benevides
Enviado por José Benevides em 01/03/2017
Reeditado em 01/03/2017
Código do texto: T5927518
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