PROIBIDO ESTACIONAR

PROIBIDO ESTACIONAR

São 14:38 , o trânsito fervendo . Posso sentir o cheiro da borracha queimando no asfalto quente , ver os rostos escorrendo suor , a neblina da fumaça dos motores intoxicando meus pulmões . Nossos pulmões . O ar-condicionado nunca funcionou, o painel do carro ferve de baixo desse sol do deserto e o teatro de mímicas dentro dos outros automóveis não são nada engraçados . A rádio Informa um acidente mais a frente , e os gestos do taxista na faixa a minha direta reagem a informação. Isso não se assemelha em nada com uma selva . Pra mim mais parece um buraco onde todos fomos jogados e deixados pra lutar como gladiadores , e em algum lugar , talvez a cima das nuvens , alguém se diverte com tudo isso …

O que está escrevendo ai , Oliver ?

Pergunta Flávia , que molha as mãos com a água de uma garrafinha antes de voltar a segurar o volante quente do carro .

Só passando o tempo – eu respondo – não escrevo nada já tem um tempo …

Deixe me ler isso – ela diz, puxando o caderno da minha mão- em algum momento vai precisar escrever algo bonito, diferente dessas coisas carrancudas que publica.

O trânsito avançou mais um pouco, a passos lentos ganhávamos o primeiro metro em 5 minutos.

Oliver , você está escrevendo sobre o trânsito. Não tem nada mais interessante para colocar no papel ?

Flávia devolve o caderno , enxuga o suor da testa com as costas da mão.

Quando vão começar a comercializar carros voadores ?

Primeiro precisam fabricá-los. E veja bem , ainda nem conseguiram criar a cura para seborreia ou caspa.

Pois é, vamos chegar a marte antes que consigam dar um jeito na descamação do couro cabeludo .

Acho que é questão de prioridades . A Terra está ficando atulhada de lixo. O próximo passo é sufocar outro planeta com nossas garrafas pet.

Na rádio foi anunciado que a via estaria sendo liberada em alguns instantes. Uma colisão , um pneu estourado , um giro 360 … e o engarrafamento estava feito. Todos nos , alguns compromissos marcados com esposas , patrões ou exames toxicológicos a fazer , era isso ai , nesse instante todos fazíamos parte da mesma comunidade injetada entre duas cidades. Um coagulo entupindo uma artéria coronária.

Flávia conferiu a hora no celular .

Estamos atrasados , Oliver .

Eles podem aguentar a mão. Não tem casamento sem a noiva .

É , mas esse é um casamento meio forçado. Sabe o trabalho que me deu conseguir esse encontro? Não quiseram assinar nada até ter certeza que algumas adaptações seriam feitas.

Flávia fala dos produtores de cinema. Numa noite , desconfigurado pela amargura , tristeza, sabor de derrota e uma ressaca brutal de conhaque vagabundo , acabei colocando um manuscrito inacabado na caixa do correio , ele foi destinado a um produtor de cinema que conheci depois de bater no seu carro numa viagem de volta do litoral . O produtor saiu do carro calmamente, olhou para a avaria no seu automóvel . Meu para-choque dianteiro entrara na sua traseira. Seu carro era um importado com 50 mil cavalos debaixo do capo . O meu um modelo de 20 anos sem limpador de para brisa e lanterna de freio esquerda queimada . Ele sorriu para mim , eu tentei explicar que meus freios não estavam lá grande coisa e o farol fechou repentinamente .

O farol tem um cronometro enorme sobre ele . Como pode ter sido repentinamente ?

Num segundo estava aberto , noutro fechado

Você está bêbado ?

Depende do ponto de vista .

Como assim ?

Prefiro pensar que estou tentando ficar sóbrio . Tenho de trabalhar amanha cedo. E já estou por um fio . Não sei se posso com mais essa … se descobrem que fui preso por embriaguez ao volante me colocam no olho da rua. E algumas pessoas dependem de mim .

O homem me mediu .

Poderiam ter escolhido alguém melhor para cuidar delas .

Não , sou perfeito para o papel .

E o que diabos você faz ?

Eu escrevo . Alguns dizem que sou escritor . Até me pagam pra fazer isso !

Você não tem cara de escritor …

E escritor tem cara de que ? De advogado recém formado ou pensador filosofo de tardes de domingo ?

Os outros carros desviavam da gente . Estávamos provocando um pequeno transtorno ali.

Escuta garoto, vamos sair da rua . Que tal aquele bar logo ali …

O homem apontou para o bar de um hotel caro .

Ali não consigo nem pagar a gorjeta do cara que carrega os casacos – falei .

Deixa por minha conta dessa vez – falou o homem .

Estacionamos , paramos de frente par ao bar do hotel e logo dois sujeitos apareceram para guardar nossos carros .

O garoto está comigo -Disse o homem

Claro que os dois valets queriam guardar o outro carro , não o meu. O mais feio ficou com o carro bom , o mais bonito levou o carro velho , no caso o meu. Ele ficou bem ali dentro , mas teve certa dificuldade em engatar a primeira , que estava enroscando assim como a terceira . O resto entrava como faca na manteiga. O problema sempre foi a ré , com ela necessitava carinho e jeito.

Seu carro é um clássico, é preciso ter bom gosto para sair com um desses- me disse o homem fodão .

É um monte de merda , senhor. Mas é o que posso pagar no momento .

Na mesa prontamente um garçom veio nos atender. O homem pediu duas cervejas mexicanas.

O que pensa sobre charutos ? - me perguntou

Nunca pensei sobre. Mas gosto da imagem de me ver fumando um bom cubano.

Dois cubanos – Falou o homem ao garçom .

O lustre sobre nossas cabeças , sobre cada mesa , era magnífico , vários pedacinhos de vidro

Flutuando, o carpete da entrada vermelho, com um cara de terno para direcionar nossa mesa, no bar uma garota de terninho trabalhava com as garrafas criando obras de arte em taças e copos, e sempre que podia passava uma flanela sobre o balcão. O lugar dos sonhos , era como se eu tivesse batido o carro em cheio num poste e minha alma ter caído direto no inferno cheio de bebidas e luxo , exatamente como ele deve se parecer para alguns cristãos .

Então , - falou o homem alisando a toalha da mesa – disse ser escritor . O mundo não está cheio de pessoas que dizem ser escritores ?

Realmente . Atulhado desse tipo de gente.

O que gosta de ler ?

Leio bem pouco do velho . Mas é o que leio.

Não gosta de nada do novo ?

O novo é muito pretensioso. Você vê pela capa bem trabalhada, todas aquelas cores extravagantes, cada capítulo é uma bolacha do pacote. São escritos para serem degustados no momento , depois são deixados na prateleira para o esquecimento , fazer volume.

Não vejo problema em querer ser grande – fala o homem , recebendo os charutos do garçom. As bebidas na mesa .

Os grandes estão sempre na miséria .

Os grandes vivem da fortuna que seus personagens miseráveis lhes dão – falou o homem , cortando a ponta do seu charuto e acendendo com um belo e longo fósforo .

Porque o mundo não pode ser como nas histórias ?

Viveríamos num mundo de fantasia. Provavelmente eu seria o dono de um empreendimento rentável e você o cara que engraxaria minhas botas nos finais de semana na praça , enquanto eu leria um jornal.

Claro que sim . Mas veja só , você , apesar de toda a pomposidade e dinheiro que viria a ter , estaria com as mãos sujas assim como eu . As suas da tinta do jornal fresco , e eu da graxa .

Hun … E o que isso quer dizer ? - falou o homem fodão tomando um trago de sua cerveja .

Não faço a menos ideia . Mas os dois estaríamos sujos .

Acendi meu charuto e tomei um gole da bebida. Bebemos até a hora do almoço , ele me pagou o almoço . Depois bebemos mais um pouco. O homem adorava conhaque . E eu o acompanhei . Saímos de lá cambaleantes , a conta veio numa bandeja de prata e foi paga com um cartão platinum. No final o homem me deu seu cartão, e eu lhe marquei meu número, o número Do meu trabalho, a degradante revista Open Night, num guarda napo.

Bom , o que relato aqui é uma sucessão de casos , ou apenas um , que me levou a conhecer o tão famoso diretor de cinema Luiz Bona Ventura da Silva . Depois desse pequeno contato ou colisão , jamais tornamos a nos falar.Sim . Eu lhe enviei um manuscrito , mas foi só . Recebi como retorno uma carta pre moldada que devem enviar a todos, dizendo que avaliaria minhas possibilidades. Mas minha querida agente Flávia, certa vez depois de termos assistido A Culpa é das Estrelas no cinema , encanou que eu deveria investir nisso , no cinema – a meu favor digo, afirmo, que não tinha a menor ideia do que fazia no cinema. Flávia havia acabado com o namorado , estava triste, me ligou … as pessoas costumam me ligar sempre que estão por baixo, e eu realmente não sei o porque. Não sou bom em animar ou levantar a moral das pessoas . Mesmo assim Flávia me ligou , parecia bastante abatida . E gosto dela . Uma boa moça . Tem bom coração , uma pena que o cérebro está no rabo quando o quesito é homens . Sempre acaba com um calhorda , do tipo que não vale as unhas pintadas de vermelho de Flávia .

Flávia , precisa parar de se relacionar com filhos da puta dessa estripe.

Mas ele parecia tão doce no início ….

Eis o problema . Homens doces de mais são azedos. Quando agem assim estão tentando se redimir de algum erro do passado. É simples : não importa como as coisas estão , mas sim como são. O sujeito é um desgraçado, a mulher uma cafajeste , não sera por você que essa pessoa vai mudar . Alguma vez viu o coelho botando um ovo de chocolate ? Acredite , isso nunca acontecera … o mundo não entrou numa guerra , está numa guerra desde o início, desde que EVA mordeu a maça ou os animais começaram a sair da água . Estamos nos comendo, perpetuando a espécie para nos tornarmos mais numerosos e merecermos o direito de assumir o comando...

Chegamos , Oliver . Finalmente chegamos . Espero que não acabe com tudo em dez minutos .

Está com o roteiro ai , certo ?

Parados em frente a um prédio enorme , um cara apareceu de lugar nenhum , talvez do esgoto , nos dizendo que ali era proibido estacionar.

NÃO PODEM PARAR AQUI !- Gritou ele .

Encontre um lugar para estacionar , eu subo lá e converso com ele – falei para Flávia .

NEM FODENDO , OLIVER ! Toma , pegue as chaves , deixa que eu subo lá e converso com Bona Ventura da Silva . Você encontra um lugar para estacionar. Depois sobe lá . Não vou te deixar sozinho com esse cara.

NÃO PODEM PARAR AQUI!- Gritou o sujeito novamente .

O trânsito era grande. O farol abril e os carros começaram a andar . Sai do carro , troquei de lugar com Flávia.

HEY , PRECISAM SAIR LOGO DAQUI ! NÃO PODEM PARAR AQUI ! - Repetiu o sujeito .

Inferno. Sujeitinho chato !

Oliver , estacione , volte e suba . Sua vida está em jogo aqui .

Exagero . Era só a porra de um filme . Se eu tivesse sorte, se os produtores do sr Bona Ventura tivessem estômago, em algum momento no futuro o cinema teria um filme , e nesse filme nos créditos estaria escrito meu nome …

'' SOU UM RASCUNHO ''

02/03/2017

09:31

Cleber Inacio
Enviado por Cleber Inacio em 02/03/2017
Código do texto: T5928121
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