Fico triste ao ver a vida desperdiçada

Fico triste ao ver a vida desperdiçada. Sinto um pouco de amargura ao perceber que nada ou quase nada foi aproveitado. Meu avô está morrendo. Na verdade, não choro a pessoa que foi, mas a vida que teve e que viveu em vão. Segundo os familiares mais íntimos, gostava de sair sem dar satisfações, abandonar mulher e filhos para ir farrear com os amigos; esbanjava um dinheiro que deveria ir para o sustento da família, gostava de se mostrar. As pessoas falam com uma ponta de rancor. Não sei se na pele deles eu teria uma reação diferente... Como neto não tenho tanto para reclamar, eram interessantes suas histórias, dava doces quando criança e me levava para conhecer as fazendas vizinhas. Nos últimos tempos devido à doença, tornou-se recluso ao quarto. Tornou-se, não sei se já era, apegado a causas sem sentido, a coisas miúdas, a brigas mesquinhas com os ditos "saudáveis". Acompanhava aquilo melancólico, pois sabia que ele não estava ainda desprovido de suas faculdades mentais. Será que a chegada da morte faz as pessoas se apegarem ao pouco que têm? Ou será que uma situação limite como esta apenas faz expor o que estava nos recônditos da Alma? Ficava perplexo ao saber que aqueles do seu entorno não se preocupavam com o seu bem estar, tampouco em garantir uma vida propriamente digna. Era importante se mostrar misericordioso para com o enfermo, mas ao mesmo tempo dizer que aquilo era dispensável em se tratando da pessoa miserável que fora. Tudo são aparências. É importante aparentar união, preocupação. Ainda mais numa cidade pequena. É importante dar uma desculpa para a consciência, se enganar. É importante se dizer cristão, seguir Cristo não é tão importante. No entanto, me pergunto qual é o valor da verdade numa situação dessas... Ela, nua e crua, resolveria de alguma forma a tristeza da situação? Se todos fossem tomados de uma franqueza atroz, algo melhoraria? Traria de alguma forma alento para aquele que sofre? Conformaria os que estão próximos?