VIVA EU, VIVA TU, VIVA O RABO DO TATU!

Viva nós! Os sobreviventes.

Para todos os sexagenários e setuagenários, nossos contemporâneos, uma homenagem especial. Passamos por tudo, saímos ilesos e nos tornamos fortes e inquebráveis. Sobrevivemos àquela casinha lá no fundo da nossa casa onde nos dirigíamos quando a natureza chamava. Era uma casinha de taboa bem característica e facilmente identificável em algumas residências. Dentro do pequeno e malcheiroso ambiente, à esquerda, ou à direita, havia pedaços de jornal presos em um prego. Era uma casinha democrática. Era para todos, inclusive para pequenos seres voadores de azul brilhante que ficava zunindo enquanto a nossa a nossa natureza agia. (Meu Deus! Eu não acredito que escrevi isto! Têm damas lendo o meu texto). Agora é tarde, o computador trancou e não consigo apagar a frase. Desculpem-me.

Nós, homens, sobrevivemos ao Glostora que passávamos no cabelo para ficar igual ao Clark Gable. Sobrevivemos à navalha para fazer a barba, até que o senhor Gilette salvou-nos. Sobrevivemos à forminha de gelo de alumínio em que a nossa mãe fazia picolé com leite doce ou Q-Suco.

Sobrevivemos à calça de gabardine que pinicava e era muito desconfortável. Elas sobreviveram ao vestido tubinho que a vizinha costureira fazia. Muitas ganhavam de presente um corte de tecido (hoje soa estranho). Elas sobreviveram aos espartilhos e nós às ceroulas. Usamos muitos pregos nos nossos “chinelos de dedo” e a nossa honra jamais foi abalada. Sobrevivemos àquela borracha ridícula de duas cores, uma dura e outra macia. Sobrevivemos às máquinas de datilografias Remington e Royal. Na escola, cantávamos todos os dias, antes de entrar na sala de aula, o hino nacional. Sobrevivemos. Sobrevivemos ao quadro negro que era verde. As carteiras, que aqui no sul eram chamadas de classes, eram de madeira maciça, havia um compartimento para guardar nosso material escolar e a nossa merenda, que era um pão com manteiga. Comíamos faceiros da vida durante o recreio. Nosso material da escola tinha valor inestimável. Caneta era um luxo. (Meu pai usava caneta tinteiro, chique demais!). Muitos tinham blocos feitos de papel de pão. Daquele pão de meio quilo. Que saudades!Não ficamos traumatizados. Jamais respondemos de maneira ofensiva para a professora, seria um pecado mortal. Crescemos inteiros de cabeça. Sobrevivemos ao Mertiolate que ardia pra burro! A vara de marmelo nem doía no nosso lombo, pois sabíamos o que tínhamos feito de errado. Nem precisamos ir ao psicólogo depois.

Sobrevivemos ao tamanco, ao banho frio, à banha, aos fedidos fumos de rolos com os quais nossos pais faziam cigarros. Sobrevivemos às viandas que nossas mães faziam e enrolavam num pano de prato com dois nós caprichados e quando abríamos, estava lá arroz e ovo frito. Às vezes tinha um bife e um pouco de couve. Bebíamos água ou café preto. Nossas saúdes sempre foram de ferro. Sobrevivemos às galochas que usávamos pra proteger os sapatos durante a chuva. E as capas de chuva de nylon? Eu tinha uma marrom e a guardava com muito zelo. Sobrevivemos às noites de lampião aceso e fogão a lenha. Sobrevivemos ao leite entregue em nossas casas em pequenos tambos. Ficamos fortes. O pão nós fazíamos no forno de barro que tínhamos no pátio. Era feito com ovo do nosso galinheiro e banha comprada no vizinho que criava porcos. Somos ou não somos vencedores? Caminhávamos muito para ir à telefônica e conseguir uma ligação para um parente na cidade ao lado. Os mais abastados tinha aquele telefone preto de disco.

Dito isto: VIVA NÓS, OS VENCEDORES!

O QUE MAIS PODE ABALAR-NOS? NADA.

SOMOS INQUEBRANTÁVEIS, ADMITAM.

Sérgio Clos