POLÍTICA E AS SUAS BENESSES!

A POLÍTICA E A GULA

Estavam todos assentados na cozinha, os sete filhos do “seu” José Dino, para mais uma história pitoresca, daquelas que nunca se repetiam devido ao seu vasto repertório. Homem vivido adorava repassar seus causos, que tinha certeza ficaria na memória dos filhos. No final colocava um rico ensinamento mostrando que nunca seria em vão a atenção dos ouvintes.

Amontoados no entorno do enorme fogão a lenha vermelho púrpura, resultado das grandes labaredas em contraste com o material de que era revestida, uma mistura de pó vermelho que vinha dentro de caixinhas axadrezadas coloridas de preto e branco com cimento que, após seco, era abrilhantado pela cera vermelha lustrada todos os dias após o cozimento das refeições.

Do lado esquerdo estavam os filhos homens, Gervásio, franzino, enxergava o mundo colorido, negociante nato, comprava e vendia de tudo, desde galinha até búfalo, sem muita noção do perigo, ás vezes endinheirado, outras vezes sem nenhum, culpando sempre a crise por seus negócios não muito rentáveis. Nervoso, vivia entre calmaria e tempestades, porém, com meia hora de conversa era capaz de convencer até o papa; Alfredo era forte, bem vestido, perfumado, cópia fiel do avô até nos defeitos, com uma queda perceptível às mulheres, motivo pelo qual não levava a frente nenhum dos seus relacionamentos. A sorte era toda dele na mesma proporção da falta de foco. Seguia sempre a última opinião que lhe era passada. O terceiro filho era José em homenagem ao pai, este “chegava chegando”. Um Sherlock Holmes perfeito. Era o mais antenado de todos. Seu vocabulário hilário. Vivia viajando e se vestia sempre na moda, mesmo que para isso houvesse de colocar calça laranja e camisa vermelha... Rsrsrs... ele era “o cara” . Pedro, o quarto filho, como o próprio nome diz nos remetia a Pedro Malas artes, personagem do folclore brasileiro. Comerciante e muito trabalhador. Malandragem era o seu forte (no bom sentido). Muito bom em economia, longe de ser a economia como área de trabalho, mas, sim, no sentido de economizar até nos mais necessários gastos para a sobrevivência. Não abria a mão nem para um cumprimento.

As mulheres ficavam sempre à direita, uma junto da outra, para se comunicarem e às vezes no meio da conversa, esboçar risadinhas que não eram aceitas pelo senhor José, visível em seu olhar de desaprovamento quando o mesmo franzia a testa e emitia um “psiu”.

Mariana estava eufórica esperando o desenrolar da história que neste momento seu José começava a descrever. Era a filha mais velha, advogada formada, mas, funcionária pública por necessidade, tinha um amor imenso pelo pai. O melhor aprendiz da vida, tendo se casado duas vezes com o mesmo marido, talvez pelo fato de se conscientizar que a vida é uma tremenda ilusão de onde você não leva nada a não serem momentos como este que ela vivenciava agora.

Maria a sexta filha, loira de nascença era a mais espevitada de todas, na mesma proporção de trabalhadeira e focada em seus objetivos. Não media esforços para alcançá-los, mesmo que às vezes na contra mão dos caminhos.

Rita era a caçula, menina sofrida, com perdas irreparáveis em sua vida, porém, um amor de criatura fiel aos princípios de seus mentores espirituais.

Na Estória do seu Zé, Dona Mercedes havia acordado muito cedo, com a chaleira no fogo, que para coar o café, buscava o enorme coador de pano que era colocado em uma estrutura de madeira de três lados e um buraco ao meio onde se colocava o café moído e socado por ela em um enorme pilão de madeira sempre alojado no canto da cozinha.

Enquanto a água fervia ela se encaminhou para o quarto dos dois filhos que era separado da pequena cozinha com um tecido esgarçado, restos de pano usado na colheita do café do ano passado. Pelos furos do tecido avistava-se Geraldo, o filho mais velho deitado em um “giral” (cama feita com estacas no chão de terra batida). Joaquim, mais ao fundo balbuciava palavras indecifráveis, incomodado com a presença da mãe.

-Gerardo! Quim! Chegou o grande dia. Levantem-se! Precisamos sair logo, pois a caminhada é grande e a reunião começa às nove!

A Reunião a qual dona Mercedes se referia era de política. O Governador e vários candidatos estariam reunidos no Bairro vizinho a trinta quilômetros dali e os eleitores haveriam de estar no local impreterivelmente às nove horas.

Seu Zé repetia os movimentos dos personagens como se estivesse encenando uma peça de teatro o que às vezes causava risos aos ouvintes. (claro, disfarçadamente).

Dona Mercedes usava seu lenço novo para esconder o enorme coque na cabeça que fora feito com um garfo desgastado pela dupla função de desembaraçar seus cabelos, (visto ser o garfo o objeto que mais se identificava como um pente) e alimentar seu filho Joaquim em suas refeições.

Estava escuro ainda, quando tomaram o caminho, carregando picuás (sacos confeccionados com o tecido de embalagem de açúcar, único produto comprado na cidade) visto que tudo que se consumia era produzido por ali.

Depois de longas horas de caminhada avistaram ao longe a pequena igreja em pedras rústicas em estilo português que fora erguida pelos próprios moradores a qual serviria para a tão esperada reunião.

Aglomerado de pessoas fazia burburinho comentando de como seria a inusitada passagem dos candidatos ao local, haja vista, que jamais haviam presenciado outra por lá.

Ao chegarem ao local foram avisados que o café seria servido antes dos discursos, que pelo visto seria grande, pois, cada uma das pessoas portava várias folhas nas mãos e de vez em quando eram manuseadas e trocadas de ordem pelos homens engravatados.

Uma mesa enorme estava colocada no saguão da igrejinha e logo foi servido um café magnífico: bolos, broas e doces estavam dispostos de maneira que os convidados se serviam à vontade. Dona Mercedes e os filhos se refestelaram e vez ou outra um pão ou uma broa iam parar dentro do “picuá” de cada um.

As nove em ponto começaram os falatórios. Começaram as promessas e como de costume. Até ponte prometeram em lugar onde não existia rio. Talvez daí tenha se originado a “piada” (comentário do seu José).

Algumas horas depois após o falatório, Dona Mercedes e os filhos, já com os picuás cheios, se preparavam para as despedidas, quando de dentro da Igrejinha começaram a sair tachos e mais tachos (vasilha grande de cobre utilizada no cozimento de Inhames) inhame (espécie de mandioca utilizada para alimento de porcos), cheios de guloseimas da culinária local. Macarronada, frango, cuscuz, feijão tropeiro. O cheiro de abacaxi com canela assado era irresistível.

Como resistir?

Novamente na fila, agora entre um prato e outro, coxas de frango e pedaços de suâ (vértebra da coluna do porco) compartilhavam o picuá de dona Mercedes e os filhos.

A sombra de uma paineira pedindo a ajuda do santo protetor da digestão Dona Mercedes e os filhos se recostaram. A cada quinze minutos Dona Mercedes sob um sol escaldante no calor de quarenta graus, se deslocava rumo a uma bica de água cristalina da qual apanhava em garrafas de dois litros de refrigerante o liquido que seus dois filhos colocavam na boca remexendo para ambos os lados e esborrifando para longe, sem a menor capacidade de engolir.

O sol caminhava rapidamente no céu, nuvens escuras se amontoavam ao leste anunciando tempestade para o final da tarde.

Com dificuldade dona Mercedes e os filhos se levantam para tomar o rumo de casa, antes que a chuva possa vir a molhar os quitutes dos “picuás”.

Nas imediações da Igrejinha pessoas com enormes balaios na cabeça anunciam que serviriam agora o café da tarde para encerrar com chave de ouro a inusitada reunião. (Os picuás cheios deixavam a mostra o fecho da broa "de pau a pique" (broa de fubá embalada em folha de bananeira) feita em forno à lenha comum nas residências do local), mostrando que é impossível colocar algo lá e muito menos na barriga de cada um, visto que já "aparecia nos olhos". Dona Mercedes observa os filhos enfastiados, seu estômago dá uma reviravolta e ela pronuncia desolada:

QUEM NÃO PRESTA PARA COMER É " BOBAGEM" IR EM FESTA!

Mariana Quintanilha
Enviado por Mariana Quintanilha em 07/04/2017
Reeditado em 18/09/2017
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