Repartição pública

Entrei na repartição pública segurando meu envelope pardo lotado de documentos. Por sorte o ambiente estava vazio, duas pessoas atendiam o público. Um dos funcionários chamou o número que correspondia à minha senha e ofereceu a cadeira à sua frente para que eu me sentasse, trouxe água e me desejou bom dia.

- Obrigado. Bom dia para o senhor também. - respondi.

- Senhor não, por favor. Me chame de João, apenas. Estou aqui para ajudá-lo no que for preciso. - esboçou um sorriso cortês.

- Nossa, não estou acostumado a ser bem tratado assim por um fun...- cortei a frase no meio, um tanto quanto encabulado.

- Sim, por um funcionário público. Entendo. Bem, nós estamos aqui para atender a população da melhor forma possível. Afinal, é o povo que paga meu salário e preciso tratá-los sempre muito bem. - Sorriu novamente e me ofereceu uma bala do pote ao seu lado, lotado de doces. Aceitei.

João com toda a educação e eficiência carimbou meus formulários e requisições, foi até a máquina que fazia cópias e trouxe toda a documentação grampeada e organizada. Ao final entregou uma ficha e pediu para que eu avaliasse seu atendimento e a depositasse na urna próxima à saída.

Preenchi com entusiasmo.

Simpatia: 10!

Eficiência: 10!

Conhecimento: 10!

Organização: 10!

Precisei retornar várias vezes até a repartição durante os próximos dias e percebi que baniram as senhas. As pessoas formavam filas nos guichês de atendimento e a fila para ser atendido pelo João aumentava, mas ele ainda conseguia ser efetivo. Sempre sorrindo, sempre eficiente. João! João!

Um homem chegou até mim e explicou que João concorria à chefia daquela repartição e precisava do nosso apoio. Entregou um folheto explicando as melhorias que ele pretendia realizar e que apenas nós, o povo, é que poderíamos votar e eleger João para o cargo.

Algumas pessoas vestiam camisetas estampadas com o rosto do #melhorfuncionariopublicoquejaconheci. Um senhor na saída do prédio vendia essas camisetas com o rosto de João estampado pelo valor de R$ 100 (um pouco caras, mas valia a pena, tínhamos que apoiá-lo).

Eu vestia a camiseta todos os dias e também passei a fazer campanha nas ruas para que todos votassem em João, até que ele se tornou o chefe daquela adorada repartição.

Fui até João para parabenizá-lo, mas não consegui. Ele estava ocupado e era difícil incomodá-lo. Agora ele era o chefe, tinha obrigações importantes.

Nunca mais tivemos um atendimento como o dele. Sua mesa foi substituída pelo Olavo, um homem grosso, lento e desorganizado que resmungava a cada minuto. Diziam que ele era cunhado de João e apareceu ali após a eleição do chefe.

Um dia, numa das minhas frustradas tentativas para ser atendido por João, na rua em frente ao prédio, membros de dois partidos políticos brigavam defendendo seus candidatos. A polícia estava envolvida, garrafas e pedaços de madeira voavam de um lado ao outro, era uma confusão enorme. Não consigo entender a ignorância desse povo brigando por políticos que sequer sabem sua existência. Os políticos trabalham pro povo, pois fomos nós que os colocamos lá. Isso me deixa extremamente irritado!

Olhei pro lado e vi João saindo pelos fundos e entrando rapidamente num carro muito chique. Acenei quando o carro passou ao meu lado, mas acho que ele não me viu.

Fabricio Oliveira
Enviado por Fabricio Oliveira em 11/04/2017
Reeditado em 08/04/2018
Código do texto: T5967808
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