Para esse tempo

Desde criança sentia muita tristeza na sexta-feira santa. Sexta feira da paixão dizia a minha avó. As procissões me faziam a alma doer profundamente. A noite, a morte, o medo.

Eu não sabia articular o pensamento na minha meninice ao ver aquelas velas acesas e a multidão rezando em voz alta e a passos tímidos.

Mas hoje percebo que a sexta feira santa pode ser traduzida como o dia mundial das possibilidades. Possibilidade de reflexão e ação a respeito da nossa maldade, da nossa maldita hipocrisia que teima em nos assaltar o pensamento a qualquer hora.

Como membros dessa humanidade que soube torturar, zombar, acompanhar avidamente as humilhações de um homem profundamente justo e revestido de amor total, fomos capazes de matá-lo na mais incrível e absoluta solidão.

A sexta feira me convida e uma reforma íntima , a rever os pensamentos, as atitudes e a nossa sempre moral duvidosa. Me convida a exercitar a caridade e a expandir o coração. Sim, é preciso educar o coração, os sentimentos, o olhar.

De que adianta doar algum recurso, alguma roupa a alguém necessitado se não o olharmos e respeitarmos como uma clássica representação do Cristo sofredor?

A caridade moral – deixar de lado o julgamento, o poder, a crítica destrutiva, o desamor , a antipatia, a maledicência, o desrespeito é o meu grande desafio, certamente não apenas meu.

Eu não fui mais a procissões. E não quero ouvir falar no “Senhor morto”, mas falar no Senhor vivo no nosso cotidiano. Quero ouvir falar do Cristo que perdoa e nos dá infinitas oportunidades para repararmos os absurdos que sempre fomos capazes de cometer.

É preciso fazer Cristo viver, sim. Mas viver em alegria dentro do coração humano, presente na nossa respiração, na nossa pulsação. Nunca um Cristo flagelado, desfigurado pela dor e pelo tormento físico a que fora submetido. Mas um Cristo bonito, de confiança e de alegria por termos conseguido aprender verdadeiramente alguma coisa.

Aprender com o sentimento, exercitar o perdão com a alegria do compromisso com Deus e Jesus.

Que esse sexta feira nos provoque, nos incomode, nos convide a sermos honestos, verdadeiros, de olhar compassivo e dignos de sermos chamados de filhos de Deus.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 14/04/2017
Código do texto: T5971059
Classificação de conteúdo: seguro