Créditos Equivocados

— Fala Crime! Suave ai truta?

— Suave é o caralho mermão! Cadê a porra dos créditos que te mandei colocar!

— Como assim, fui pessoalmente pra não ter onda parça! E foi uma cara de quinhentos minutos. Tu vai terminar de puxar sua cana falando toda hora! Se liga ai, vou ler aqui o recibo, dia tal, mês tal, hora tal, celular numero...

— Eu não tô acreditando nessa porra! Repita ai os dois números finais!

— Sete cinco.

— Arrombado, filha da puta do caralho! Os créditos foram pra outra pessoa! Mas escuta, se tu não desfazer essa merda até as quatro horas da tarde! Vou mandar queimar um ônibus com sua família toda dentro! Está me entendendo vacilão?

A voz temerosa concorda e desliga subalternamente o telefone. Bagulho tinha pouco mais de dois meses de liberdade após cinco anos de cadeia, além de outros crimes, contava passagens por tráfico de drogas, roubo e homicídio. Comprometera-se a pagar favores que o líder de uma quadrilha o fizera lá dentro. Pouco depois de concluir a conversa com o bandido preso, Bagulho recebeu mensagem com um vídeo ameaçador, “Isto é só para lembrar a você que está em divida comigo!” Um homem aparece ajoelhado entre dois outros que estão armados, ele implora pela vida e diz que vai pagar o que deve. Mas antes de esboçar outras palavras toma um tiro na barriga, o olhar de clemência preenche toda a tela do celular, ele chora, mas toma outro tiro, desta vez no braço, o sangue jorra, uma ponta de osso aparece quando ele gesticula. De repente aparece outra pessoa com uma garrafa pet de dois litros, o liquido amarelado é gasolina, despejada sobre ele que luta ferozmente para não ser queimado, mas toma um tiro no rosto e cai, agonizando no chão com o corpo molhado de combustível, vem um palito de fósforo com uma pequena chama que se espalha violentamente, quem filmava preocupara-se com a expressão do seu rosto, entre as labaredas se deformava pipocando como pele suína, em dores incomensuráveis. Bagulho fumara seu primeiro baseado aos sete anos de idade, na companhia de outros pivetes praticava furtos para manter o vicio que migrara para outras drogas. Sempre destemido, dia ou noite, chuva ou sol, o que viesse ele encarava, não carregava remorsos por lembrar-se de ter assassinado uma mulher que se negara a entregar-lhe a bolsa em um assalto. Mas após o vídeo algo parecia ter mudado dentro da sua cabeça, um estalo que expunha outras imagens no seu interior, imagens além daquelas obscuras que eram recorrentes nas suas memórias, algo que chamava para um passeio num bosque de arvores floridas, gramas com pequenas flores cobertas de borboletas. Bagulho percebia que não estava mais em conto de fadas, estava lidando com algo além da fronteira da sua coragem, sua família seria colocada em um ônibus e queimada viva. Ele olhava para o celular que acabara de exibir a monstruosa vingança, via seus filhos com camisas do Corinthians entrar com armas apontadas a cabeça, a mulher com seu cabelo pintado de amarelo e a tatuagem no ante braço, era um coração alado. Ela se virando para ele com um olhar lacrimoso, dizendo “me ajude, nos ajude” e depois uma nuvem de fumaça com línguas de fogo a sair pelos pequenos orifícios do ônibus, já que as janelas estavam todas fechadas.

— Fala Crime! Suave ai truta?

— Agora ta suave meu parça! Suave demais. Tô até negociando umas “chuteiras” para um jogo dos irmão!

— Então ta massa!

Na banca de jornal próximo ao ponto de ônibus, o velho comerciante mostrava na primeira página a foto de Eugenio Severino da Silva, vulgo “Bagulho” morto em troca de tiros com á policia. A matéria dizia que o bandido era integrante de uma quadrilha que fazia extorsão via celular de dentro de um presídio. Que após a sua liberdade, ficara responsável por municiar de créditos os celulares dos lideres que continuavam atrás das grades. Mas há dois dias houvera uma infeliz coincidência, Bagulho havia trocado um numero e enviado sem querer os créditos para o líder de uma facção rival. Ameaçado pelo líder da sua quadrilha, mas receoso de dizer a verdade, passou-se por fiel da Igreja Dizimo Caminho do Céu, para assaltar os cofres que guardavam dinheiro e jóias. Bagulho foi morto quando estava em um carro roubado na Avenida Presidente Ballesteros próximo a Comunidade da Batata. Quando seu carro recebeu ordem de parada em uma Blitz ele avançou atirando.