O pai que é uma mãe

A primeira lembrança certa e forte que tenho do meu pai é do dia em que ele ficou em casa com a gente. Eu tinha 7 anos e meio mais ou menos. É como se a história dele começasse ali para mim. Ficou gravada a imagem de alguma coisa sumindo devagar, tirada de mim, a casa ficou vazia, eu triste vendo a silhueta quadrada e metálica do vitral no escuro da nossa sala e sumindo no corredor que levara até a rua deserta, no branco da areia que ladeava aquele caminho inóspito. Já eles, nem choravam, eu na janela da nossa humilde casa, via o velho, triste. Vendo ele se secava dos líquidos sabor sódio .

As muitas memórias que seguem não são de alegrias. Brincando na sala do aposentos da Rouxinol, cheia de almofadas, colchões e com um grande sofá de madeira imbuia, eu jogando vídeo game no chão de cimento frio e comum, olhar vazio. Deitados na cama e ele contando histórias de Elina e Dilmar para ela e meu irmão, domingos de vôlei na rua com os amigos, depois de Tom e Jerry , karate no sec .

Ficar com ele sempre foi leve, alegre, tinha um sabor de escape, sonho, liberdade, íamos aos bailes. Naqueles tempos dançavam, Serranos, Bailantas, Tche Garotos, Piazitos entre tantos outros. Dirigíamos fusca. Um mundo de pessoas interessantes, lançamentos, danças dos facões, visitas de amigos em casa e ensaios de peças, gravações de programas de televisão, entrevistas.

Eu ficava totalmente absorvido, respirava seu amor pela história, pela fantasia, pela dança e o principal, pela vontade de me ver feliz. Pelas possibilidades de viagens. As vezes pensava dele estar favorecendo um mais que o outro mas, o que eu não sabia era a sua constância de nos fazer felizes. Ele tem um interesse constante pela vida, uma curiosidade incessante sobre as pessoas, suas histórias, sonhos, desejos, segredos, loucuras por fim suas realizações.

Uma sagacidade aguda e simples, universal e gauchesca interiorana ao mesmo tempo que ele expressa pelo seu amor ao lutar pela vida. Ele escreve, estuda, estuda, é impressionante a vontade de vencer. Um ímpeto natural, poderoso. O mesmo, provavelmente, que fez com que já aos 15 anos começasse a entender pela vida. Vê-lo hoje na estatura que sua carreira atingiu, com uma enorme cultura e profundidade, mantendo a humildade e simplicidade dos que ainda querem descobrir, é emocionante.

Há pouco mais de dois anos Dudu nasceu, o filho virou pai, e o pai virou avô. Um sábio amigo me disse uma vez que ter filhos é se unir a um elo ancestral que te liga a todos os seus antepassados e às gerações futuras. Força viva que vem de um começo perdido no tempo.

Tomara que o antepassado não nos remeta ao desconhecido que não sabemos dominar. E a força viva do futuro não sejas a matemática que eu não consiga resolucionar.

Sebastião Bronze
Enviado por Sebastião Bronze em 15/05/2017
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