PIPOCA

Pipoca

20/05/17

Milharal de um intenso verde entremeado por penachos que vão do dourado ao ruivo e que se perdem por todo o horizonte. Em cada pé, saindo do caule entre as folhas, espigas de milho protegidas por uma palha, algumas verdes e outras de um bege sem brilho. Tiro do pé uma grande e gorda espiga já madura. Vagarosamente retiro cada uma de suas palhas e começo a vislumbrar dourados grãos de milho simetricamente posicionados. Retiro a última palha. Recobrindo a espiga os grãos da cor do ouro agarrados entre si e na espiga que os sustenta. Com certo vigor começo a debulhar os intricados grãos. No começo uma tarefa difícil, pela total falta de espaços entre eles. Eles que disputavam o alimento vindo da terra, enquanto ocultos pelas várias camadas de palha, agora se protegiam mutuamente unidos. Retiro um, dois, três, quatro, cinco e o sexto grão, um de cada vez, o espaço criado já me permite retirá-los de quatro em quatro, depois de oito em oito, até que todos se deixam cair perante uma força maior e vão se depositar sobre uma velha panela já aquecida por um fogo intenso. Em alguns minutos, muito poucos, um, dois, não mais do que cinco, começo a ouvir um pipocar, primeiro solitário e depois num crescendo para então ir rareando até o cessar completo. Novamente entendo a resistência daqueles grãos em se transformarem, pela dureza de suas cascas resistindo ao calor ou pelo ribombar de seus lamentos ao se entregarem à transformação e eclodirem. Destampo a velha panela e vejo um alvo espetáculo em que se transformaram os duros e resistentes grãos, retiro-os para enfim saboreá-los, mas vejo no fundo da panela alguns teimosos grãos que foram mais forte que o fogo e não se transformaram e a estes eu destino um insensível e sumário descarte sobre a terra nua.

Saboreio a iguaria em que se transformaram os duros grãos, deitado em uma rede que balança ao vento sobre a sombra de dois frondosos e floridos ipês vermelhos. E, no vagar dos pensamentos, com o olhar perdido no milharal que agora se mostra com raros tons verdes e muitos amarelecidos ou cinzas, com vários pés vergados e outros que jazem sobre o solo e mentalmente traço uma analogia de toda a existência da pipoca e suas transformações com os tempos em que vivemos neste Brasil de meu Deus onde as palhas se abrem e os grãos dourados são arrancados para possibilitar uma transformação alva e pura.

Geraldo Cerqueira