Dessa vez, antes de entrar no ônibus

Já fazem 5 minutos que estou aqui, desmontada sobre um banco, igual peças de lego que acabaram de se tornar sem graça aos olhos de uma criança. Nessa proeza de esperar, acabei vendo o tempo de um jeito diferente. Cinco minutos podem parecer pouco, mas descobri que em trezentos segundos ou dezoito milissegundos posso ir e voltar da realidade infinitas vezes até que eu desista de sonhar ou um carro passe aqui de frente e me traga de volta ao real através do som do grave de “vai embrazando”.

Numa avenida movimentada, em horário de pico e especificamente em frente a uma rotatória gigantesca, começo a observar o alvoroço em que me encontro físico e psicologicamente. Em todos os momentos associei a situação no transito como se fossem meus neurônios, sentimentos e emoções desgovernadas perambulando dentro de mim. A razão, atribui ao sinaleiro, dizendo “pare, preste atenção e prossiga” enquanto os carros desregrados, encarei como o coração dizendo: “não pare, nem pense, apenas siga em frente. ”

Ainda nessa viagem, as ruas passaram a representar toda minha vida e os veículos, as pessoas que transitam por ela a todo tempo. Assim como os automóveis, algumas entraram rapidamente no caminho, outras bem devagar. Umas são imponentes, formosas, outras, com alguns arranhões ou graves danos morais. Mas, jamais iguais, pois assim como dois carros idênticos possuem placas diferentes, que os tornam únicos, cada ser humano é identicamente distinto.

Diante da comparação acima, a ideia de último ano de escola regular me veio à tona. Ótimo! Ou não. Distanciamento de alguns, ou não. Faculdade e emprego no próximo ano, ou não. Futuros intercâmbios, ou não. Amigos novos, talvez. Sucesso, depende. Incerteza, insegurança, desespero – além da morte, as únicas certezas tranquilamente. Assim como dois e dois são sete, eu me mantive no controle da situação e nenhuma lágrima alagou os meus olhos.

Consequentemente, como todo ser humano tende a fugir dos seus temores, olhei para o céu. Ele demarcava a nuance de tarde para noite, majestosamente. As árvores escuras pareciam sombras delas mesmas, da mesma forma como quem se esconde atrás do próprio ser. A diferença é que elas conseguiam movimentar lentamente suas folhas ao toque do vento, diferentemente dos que se escondem e estagnam-se e não se permitem movimentar por medo de rejeição.

Eis que eu disse “Eureka! ”. Descobri o segredo para a calmaria pela qual minha sanidade mental clamava. A medida que olhava o furioso trânsito diante de mim, as sensações que tive foi de ansiedade, tumulto, desespero e inquietação justamente pela intensa agitação dos elementos presentes. Quando ergui meus olhos, a paisagem azul com silhuetas arbóreas de folhas oscilantes ao passo do vento me fez encontrar a paz de espírito. Respira, Inspira, Respira, não pira.... Fiquei ali por alguns segundos contemplando a vista.

Automaticamente meus olhos se fecharam, sinal de quase estabilidade emocional, até que alguém ao meu lado, aos berros de empolgação, como se fosse o caminhão pipa chegando no Nordeste, disse: “OLHA O ÔNIBUS!!!!”. Eu poderia falar de outro cotejo entre meu estado de exaustão e uma carreta lotada que quase tombou ao fazer a curva da rotatória, mas o coletivo acaba de chegar, como anunciou a sirene humana. Além disso, preciso fazer jus ao título deste texto que tanto almejei, pois dissemelhante a outras ocasiões, dessa vez, tudo aconteceu antes de entrar no ônibus.

Natália Fonte Boa
Enviado por Natália Fonte Boa em 30/05/2017
Reeditado em 24/08/2020
Código do texto: T6013757
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.