MOLEQUE PIRRACENTO

Chorando, então voltei, e fui enxugar as lágrimas na saia de minha mãe.

Você já foi birrento, pirracento? Não tem na memória, ou está mentindo? Pergunte então para seus pais.

Eu acho, apenas acho que não fui nada birrento, mas, por ironia da vida, infelizmente tem uma cena registrada em minha cachola, que diz o contrário.

Por mais que queira apagar, ou negar, tem meu pai para dela me lembrar.

Diz a lenda que o fedelho, a partir dos dois ou três anos até uns aos cinco, começa a se manifestar ruidosamente principalmente em público. Dizem os psicólogos e pedagogos que os pequenos projetos de gente começam a radicalizar suas vontades, a apavorar seus pais, ao descobrirem, por encanto, que é através dessas manhas, dessas birras que eles conseguem se fazer ouvir rapidinho.

As birras muitas das vezes vêm para extravasar um descontentamento ou então um aviso: - “Ei, eu estou aqui e quero ser atendido!”

Se os pais ou responsáveis pelo menor não o atender vai, com certeza, pagar o mico.

Na minha época umas boas chineladas na bunda e puxões de orelhas resolvia rapidinho o beco sem saída, mas hoje isso é considerado violência, e o aplicador dos tapas pode apodrecer na prisão.

Recebi injustamente muitas chineladas, isso muito bem me faz lembrar.

A cidade em que a gente residia era de chão vermelho. Era tão vermelho que o pessoal usava a terra para tingir roupas e pintar as casas. Era um torrão grudento, incrivelmente pegajoso, tão aderente que a polícia usava para engessar os bandidos. Era o terror para as mães, principalmente quando chovia.

Quando levava umas chineladas de minha mãe, lá ia eu me vingar dela me espojando, quase chafurdando, naquela imundície. Rapidinho ela tinha que me lavar para não virar moleque de pedra.

Eu adorava fazer isto para ver minha mãe esbravejando. Era como uma pequena vingança para abrandar o ardume das chineladas.

Um dia, numa viagem de vapor, de Porto Amazonas a São Mateus, aprontei alguns inconvenientes, e recebi como paga umas boas chineladas. Eu achava que era preterido pelos meus pais por causa de minha irmã mais nova. Coisa de moleque ciumento.

Diga-se de passagem, uma viagem de vapor para uma criança, de três ou quatro anos, julgada excluída pelos seus pais, não poderá ser comparada com um passeio pela Disney.

Quando o vapor estava atracando em São Mateus, ainda sentia minha bunda ardente pelas chineladas recebida. Arquitetei um monstruoso plano que iria colocar minha mãe e meu pai numa verdadeira sinuca. Talvez essa atitude fosse a maneira deles me notarem, foi isto que pensei.

Seria uma pequena grande vingança.

O vapor atracou.

O tempo estava chuvoso.

Saí prancha abaixo em direção ao lamaçal, ouvindo minha mãe desesperada gritar:

- Mario, cuidado! Volte aqui menino!

Sem dar ouvidos a ela, só não chafurdei para não sujar a roupa que adorava vestir, mas meti as mãos naquele barro com fé e coragem.

Ao invés de bravos, ouvi meu pai e minha mãe gargalhando.

De imediato, olhei para minhas mãos e não acreditei no que via. Fiquei decepcionado.

Minhas mãos estavam limpas, limpíssimas, apenas cheias de areia, e nada mais.

- Que bosta de terra é essa que não suja? Questionei-me perplexo e desconcertado.

Chorando, então voltei, e fui enxugar as lágrimas na saia de minha mãe, que ainda ria passando amorosamente a mão na minha cabeça.

Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 05/06/2017
Código do texto: T6018744
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.