EU PENSAVA QUE O LOURES ERA LOURO

´´Galeguin do zói azul,`` assim que Lourival Loures era chamado por nós na ´´boca miúda,`` mas ele insistia, não sei porque, preferia ser chamado somente de Loures.

Loures sempre chamou a atenção na escola, o queridinho das meninas, de fato, era um menino louro de olhos azuis, muito atípico numa escola da periferia de Brasília, onde, a maioria é de cor parda e negra e um ser louro de olhos azuis ofuscava, principalmente a nós, os outros meninos, os de cor parda e negra, as meninas só tinham olhos para os olhos azuis dele e para completar a nossa tragédia o Loures parecia inteligente, só tirava notas boas e elas, as meninas, só queriam sentar ao lado dele, tirar dúvidas com ele, ouvir as explicações dele, para elas, era Deus no céu e Loures na terra.

Loures não se misturava, na aula de Educação Física nunca jogava bola conosco, parecia uma donzela jogando vôley com as meninas, era metido, andava de nariz empinado, todo orgulhoso, nos olhava com desprezo e às vezes, fingia que nem nos via, logo nós, a grande maioria, os pardos e negros.

Mas o lourinho estava com os dias contados e a hora dele chegou, nem precisamos nos vingar, nada fizemos, ele mesmo se atolou e se afogou em sua própria extravagância. Um dia desses, durante uma aula de Educação Física, começou um temporal repentino, todos nós começamos a correr desesperadamente para nos protegermos da chuva forte, Loures também correu, só que, em seus passos desconcertados, se esbarrou em uma menina e acabou pisando na bola, por azar ou sorte do destino não caiu, mas ficou enganchado na rede e quanto mais ele mexia, mais se enrolava, mais se emaranhava, virou presa fácil, as meninas ficaram boquiabertas, nós, os pardos e pretos, absortos diante daquela cena inusitada, a água caia e lavava tudo pela frente, lavava os cabelos louros e lisos de Loures que, aos poucos, foram se escurecendo e se encrespando, lavava sua pele clara que aos poucos foi ficando acinzentada, nem preta nem parda, a chuva diminuiu, ele conseguiu se desvencilhar da teia que lhe prendia, se ajoelhou em uma poça, procurando algo que lhe azulava os olhos, não achou as lentes cor de céu claro, saiu correndo em desespero rumo ao portão de saída pra nunca mais voltar.

No dia seguinte, fiquei sabendo que ele mudou de escola, talvez de cidade, pois nunca mais ouvi falar dele, nem pardo, nem preto, nem louro, nem Loures.