PISANDO FORTE
PISANDO FORTE (Conceição Castro)
Tantas ideias borbulham dentro de mim agora... Umas são fogueiras, outras morrem de frio. Umas botam a cara na rua, outras se escondem em baixo do edredom (ah que saudade do meu cobertor).
E ainda penso que falo tudo... Proclamo a autenticidade das palavras, e no fundo não tenho ideia do que seja isso.
Se não me conheço, se não tenho permanência no que sinto, como me posso fazer conhecer?
O que farei quando der a alguém um sentimento, embalado em papel cetim, e, depois, rapidamente, antes do tempo do abrir do papel, ele já não fizer parte de mim?Que farei? Direi àquela pessoa que jogue fora, que jogue longe, que se desfaça rápido daquele embrulho como de uma bomba de São João?Que farei? Direi que não moro mais ali? Que pulei para a próxima página?Que farei?
Peço ao Universo que me livre das verdades prontas, que só me deixe vestir as roupas em que perdi muito tempo cerzindo, aquelas em que ganhei o prazer de ver brotando... da minha natureza, do meu querer mais íntimo, daquele que habita onde às vezes eu tenho medo de passear...
Mas não falo do tempo calendário, falo do tempo consciência, do amadurecimento da fruta verde... Todas as vezes que falar algo, percebendo que quero unicamente convencer ou calar alguém, impressionar, seduzir, influenciar mascarar... Todas as vezes em que as minhas palavras vestirem essas roupas deveria me calar...
Não posso propagar um eu que não sou... A minha responsabilidade em ser o que sou é imensa, é enfim a minha única missão... O único motivo pelo qual piso na terra....
Ás vezes não paro para pensar sobre isso, e me vejo toda garbosa e até convincente, defendendo pontos de vista que na verdade pulam da minha boca, mas não moram na minha alma... E no momento nem me dou conta disso... Falo como se acreditasse naquilo...
E quem é insano a ponto de confessar tamanha farsa? Alguém aí já se envergonhou ou temeu os próprios pensamentos? Quando isso acontece, fotografa-se o medo do ser humano, de SER QUEM É...
Não, não estou defendendo que se viva os mais loucos, perigosos e escabrosos pensamentos. O que estou dizendo é que se deve “escutá-los” para identificar de onde vêm e o que querem... conosco... Como disse o grande poeta Pessoa, meus conhecidos nunca levaram porrada... vivem a sorrir... e aqui digo eu, a sorrir a ditadura do sorriso, aquele comprado na esquina e colocado nos lábios para exibição pública.
E para que complicar tudo isso? Para que essa reflexão tão amarga de que o ser não está sendo o que é? Bom, isso começou por uma declaração que ouvi: “Estava disposto a tudo, até a ser infeliz com ela”... E aí os observadores de plantão diriam: infeliz? Baixa autoestima... diagnóstico fechado!E eu pensei: Essa pessoa que disse isso jamais será infeliz, ela está se dando o direito de fugir da regra, de ser apedrejado, de ser alijado do meio dos que não levam porrada...
O ser é ambíguo por natureza... ele tem o bem e o mal o alegre e o triste... ele sofre rejeição sim.... e quem confessaria hoje ter sofrido rejeição? Seria taxado de que? Para combater isso inventaram uma tal de frase que diz “A fila anda”... Penso que a fila anda... para trás... para trás do verdadeiro sentimento, que avança para o marco do falseamento das emoções, da plastificação e padronização dos sorrisos e das lágrimas.
Por outro lado, penso que quando se abre as portas e a as janelas para o verdadeiro sentir, ainda que seja o sentir de lágrimas, aí sim nasce o sorriso verdadeiro, genuíno, que não pega fila, que tem uma eterna credencial na mão...
A tristeza, a infelicidade não resiste à verdade, não resiste, porque o objetivo É A VERDADE, E se Adão e Eva realmente existiram, em corpo ou em lenda, mostraram-nos que nasceram nus, e que assim devemos permanecer...
A mentira mais prejudicial é aquela que se diz para si mesmo, porque além de aniquilar com o indivíduo, de torná-lo inexistente, influencia toda a coletividade, porque lhe priva dessa convivência real. Então, acho que quando nos horrorizarmos diante das mortes físicas, dos assassinatos, devemos também nos horrorizar com os suicídios da alma...NÃO SE MATEM ,NÃO NOS MATEM ,