A fotografia que não fiz

À FOTOGRAFIA QUE NAO FIZ

( Subúrbios de Angola )

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Tratava-se de um cubículo.

As dimensões eram tecnicamente desprezíveis, dadas as variáveis espacio-habitacionais que se prevêem para uma família normal. Ao redor , haviam charcos de água parada. O convívio entre as fezes as pessoas e moscas parecia normal. Ouviam-se de uma capela situada à poucos metros, os cânticos dos jovens que ensaiavam-se para o domingo.

O conteúdo vocal que acompanhava as melodias, apelavam o regresso imediato de Deus, para a explícita finalidade de resgatar os seus fiéis.

Era compreensível: Ser humano algum, em pleno uso das suas faculdades mentais, gostaria de fazer daquele lugar o seu habitat.

Havia no interior do cubículo uma senhora que partia carvão. Fazia-no com um pedaço de metal. A força do hábito enrugou-lhe às palmas das mãos. Não era difícil concluir que a senhora em referência era uma sofredora.

Lá estava o melhor registo fotográfico. O ângulo perfeito para fazer o clic. À luz ambiente, dava o toque mágico para uma fotografia digna de uma reportagem.

Na verdade, era voluntário de uma organização cristã, ( mpc) mocidade para Cristo Angola. Trabalhávamos intensa e continuamente com envolvimento social, com a finalidade de despertar nas comunidades a atenção a ser dada aos marginalizados sociais.

Registros fotográficos eram estratégias utilizadas para as palestras que ministrávamos.

É importante também referir que não sou fotógrafo. Aliás, o trabalho que fazíamos, nada tinha a ver com qualquer charme artístico. Tratava-se de um conteúdo meramente informativo.

Por lá estava eu com as condições criadas para a minha fotografia de eleição.

Entretanto, como que um raio de luz; fui abruptamente impelido para tricotar com a senhora algumas palavras.

Convidou-me a entrar no seu cubículo. Lembro-me; A bela senhora, fereceu-me até um" katchalo" no qual me sentei.

O cubículo feito de Adobe, estava parcialmente coberto. O mobiliário do lugar perfazia-se por um fogareiro, dois embrulhos de roupa encostados em um canto da parede, juntamente com os luandos de dormir. Sempre li sobre pobreza nos livros, sendo que as noções sobre o tema aposentavam-se confortavelmente na minha memória em função do apriorismo livresco a que estava habituado.

Não sei quando me vai sair da sinagoga a ideia de que a melhor escola é a vida.

Jamais haveremos de compreender determinadas questões da vida, se não antes atingir-mo-las objectivamente com os os nossos próprios olhares. Olhares próprios.

Em dois dedos de conversa desatou a senhora a falar:

"Eu sou a mana Joana. Viemo do Huambo, assim fugimos lá a guerra. Vivo com o meu marido. Temu três filho. Esssa hora foram na praça vender. O carvão que estou a partiri, é pra venderi também. Assim, espalho os montes para tirar lá o dinheiro da fuba e do conduto.

Conforme o mano está a veri a nossa casa é mesmo aqui. Quando chove, essa parte que não tem as chapas, tapamo lá com o papelões.

já a voz da senhora se fazia trêmula por conter as lágrimas que não tardaram a escorrer-lhe o rosto. Nós assim, cumemo de manha e à noite. Porque a própria comida não chega para comer lá três vezes.

Os pronunciamentos que ouvira da senhora, não couberam nos anos que perfazem a minha idade espiritual. Para algumas questões é necessário crescer mais que a idade cronológica.

Já o sol anunciava a sua pretensão de iluminar outras paragens geográficas. E os membros da família começaram a chegar. Primeiro os meninos. Cada um apresentava a progenitora os numerários arrecadados pela venda anbulante de sacos.

Seguidamente entrou o pai. Que Estacionou o seu veiculo ao lado da porta da casa. Tratava-se de um carro de mão, cujas rodas traseiras são os pés de um homem que transporta carga diversa, para sustentar a sua família. Ainda deu pra lembrar o típico pai de família de uma família mediana. Quando chega a casa e encosta o seu veículo de 4 rodas à garagem.

O mano não pode ir sem provar nada. Disse a senhora. Que em nome da hospitalidade da família, ofereceu-me batata doce assada para comer. É! Nas típicas comunidades da África bantu é assim. Geralmente o sofrimento não retira a hospitalidade e a nobreza das pessoas.

É tão somente a fotografia que não fiz. Porque os motivos explicam-se por critérios que a moral não é capaz de explicar.

Nunca mais fui a mesma pessoa.

Mia Couto: "as guerras perdem-se no instante em que os que a fazem perdem a oportunidade para evitar que esta aconteça".

Jesus Cristo " conhecereis a verdade e esta vos libertará"

Duarte Ombeu.

Nota: katchalo- banco raso feito de pele para sentar. ( linguagem em língua nacional umbundo).

Conduto: acompanhante que se come com arroz ou funge

Duarte Ombeu
Enviado por Duarte Ombeu em 11/06/2017
Código do texto: T6024576
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