Manifesto de Ladrões

A primeira página do jornal estampava na banca, “Assaltante rouba bolsa de prostituta no centro da cidade”, na segunda página outra noticia, “Bandido leva celular de estudante em ponto de ônibus”. A página que deveria ser de cultura está ocupada, “Homem de capuz assalta policial que dava voz de prisão a outro assaltante.” Na internet não é diferente, “Mulher finge ser cuidadora de idoso para surrupiar cartão e senha de aposentado”. Até no folheto da missa de domingo o Padre alertava, “Cuidado! falso católico rouba a caixinha da igreja”. Autoridades acuadas sob o protesto do povo, “Vamos fazer justiça com as próprias mãos!” gritou um sujeito de camisa amarrada no rosto. Colocaram fogo em pneus e fecharam as ruas, “Aqui ninguém passa, enquanto não diminuírem os assaltos!” Esbravejou uma senhora de cartaz na mão onde se lia “Chega de ladroagem”. Enquanto a senhora protestava alguém lhe furtou os óculos, a polícia não conseguiu chegar ao local por causa da barreira. Embaraçada, a mulher pediu a imediata suspensão do ato denunciando em pormenores a sua perda. O gatuno foi logo detido, era o filho dela que precisava saciar a vontade de usar drogas, mais uma vez ruborizava pedindo ao policial que rasgasse o Boletim de Ocorrência. Naquela noite foram várias prisões; Boné, Malaco, Capetinha, Perna seca, Gatuno, Zói de Tingue e Rasta o dedo, outros conseguiram fugir, mas segundo o comando da policia era questão de tempo para estarem trancafiados. Enquanto isto o telefone da delegacia toca, “Por favor, eu acabei de ser assaltada, roubaram minha dentadura, preciso dela para comer farofa de carne!” Era uma velha que morava sozinha próximo a uma padaria fechada por falta de segurança. “Calma tia, nóis vai dar um jeito na parada!” Falou uma voz arrastada com gírias de Gueto. “Puxa vida policia, vocês estão conversando igualzinho ao ladrão que assaltou a casa da minha neta!” Observou a velha ansiosa para recuperar sua dentadura. “Fica no gelo tia, o bonde invadiu a delega e vai resolver os pobrema!” Reforços chegaram e os bandidos fugiram levando armas e vestindo fardas. O Escrivão deu entrevista falando do assalto e garantiu pedir afastamento do cargo. Horas depois a velha estava com a dentadura de volta a boca, detalhe, desta vez não havia sido assalto, esquecera que a tinha mergulhado no copo d’água. O dia amanhecia sereno, um passarinho branco catava larvas no lixo, a calmaria parecia anunciada, mas só parecia... De repente milhares de ladrões com cartazes, faixas, apitos e instrumentos de percussão surgiram na avenida principal, alguns tinham os rostos pintados, usavam capuzes, havia mulheres assaltantes e menores delinqüentes. Os cachorros costumam parecer com os seus donos, assim aquela passeata era escoltada por muitos deles, Vira-latas, Pit Bull e Pastores Alemães, um deles fora soldado da policia, sua missão era descobrir drogas nas bagagens do Aeroporto, passara servir ao crime quando seu dono decidira mudar de lado. “A sociedade é injusta com os ladrões comuns” era o que dizia uma faixa, na outra se lia, “Se os engravatados eleitos roubam, porque não podemos roubar?!” Os juristas eram consultados, qual seria o crime que os ladrões cometiam ali na via publica? “Enquadre-os por perturbação da ordem!” Disse o Sargento. “Mas eles estão pacíficos!” Respondeu o Tenente. “Algum ali deve estar armado ou portar drogas!” Argumentou o Soldado com a mão sobre o coldre. “Se acusarmos sem provas, eles nos acusaram de preconceito e os Direitos Humanos colocam no nosso!” O dia realmente havia iludido com sua cara de paz, na avenida paralela vitimas de assaltos voltavam a protestar, vestiam camisetas com frases fortes, cartazes, faixas e até um carro de som. “Queremos nossos direitos, assaltar é o nosso ganha pão” falou um dos ladrões no megafone. “Vão ganhar o pão honestamente como fazemos!” Contra atacou um rapaz forte de chapéu branco. “Você arrumaria um emprego para um ladrão?” Indagou uma voz sem rosto. “Eu que num arrumo! Já fui furtado pelo meu próprio irmão!” A policia olhava de longe, os honestos atacavam os ladrões com palavras fortes, os ladrões recitavam os nomes de Deputados, Senadores, Prefeitos e Vereadores. Com uma calculadora em mãos um dos larápios dava números reais, Cunha roubara tantos milhões, com isto vocês se privaram de tais objetos de necessidades, e vinha à lista com Cabral no esquema do Rio e suas teias de malfeitores.

— Merda de Roteiro! Pela décima vez ele rasgava todas as folhas escritas, queria associar os roubos seqüentes com as persistentes manifestações do povo. Mas dentro de si algo dizia que o próprio ladrão se achava também no direito de protestar, pois nunca se elegeram tantos canalhas como nos últimos anos. — É isso! Agora vai. Sorriu o Roteirista de posse de um novo titulo, “Manifesto de Ladrões”.