Ladrão de Bancos

Muitos curiosos se acotovelavam. Jornalistas de todas as redondezas queriam exclusividade. O delegado ameaçava uma prisão em massa. Mas o ladrão não se movia daquele canto. “Vejam ele não está algemado!” Disse um garoto mergulhado entre aquela floresta de pernas. O ladrão realmente não tinha algemas nos braços nem nas pernas, mas tinha um olhar vago, não era triste nem alegre. Os cabelos estavam amassados como se acabasse de tirar o boné, calça preta surrada, camisa azul com algumas manchas de sujeira, o sapato marrom estava desbotado. “Mãe, parece o motorista do ônibus, seu Fonseca!” Falou o garoto ainda se contorcendo entre as pernas inquietas. “Menino se amarrar o cadarço do meu sapato um no outro, posso até cair, mas quando levantar lhe dou um beliscão na bunda!” alertou o velho gordo que segurava uma sacola de tomates. Mas suas palavras foram de pouca audição, não chegando aos ouvidos do garoto. Um cãozinho branco com um M dependurado na coleira aproveitou-se da distração do dono e foi latir um doido que falava sozinho do outro lado da calçada, o doido estava incomodado com tanta gente na porta da delegacia, queria com seus poderes subjetivos acabar com aquela algazarra. Levantava as mãos e mexia os dedos como os heróis dos quadrinhos enviam seus raios, remexia o corpo esquelético e batia a cabeça no ar, o cãozinho não perdoava e latia como se dissesse “Tome jeito seu moço, isso não são modos!” Mas o doido tinha seus motivos, exatamente naquela hora, o pão deveria ser entregue pelo negrinho de quepe branco que lhe reservava uma unidade com fatias de mortadela. “Olhe aqui Jeremias, vê se não engasgue, coma devagar, o mundo ainda não está acabando!” Dizia sempre a mesma coisa, o doido tinha sua forma de agradecimento, não abria a boca, só esticava a mão e esperava o presente diário. Naquele dia ele tentava através do estranho ritual que aquelas pessoas se evaporassem, no seu modesto pensar o entregador de pães se atinava que não teria o razoável para tanta gente, então por ser um homem justo, se não tinha para todos, que não ganhasse ninguém. O doido ficava ainda mais doido com suas conjecturas. E o cãozinho enervado latia dizendo “Moço que macaquice é esta? Qual o significado destas mãos se balançando assim? Tome jeito ou atravesso a rua e lhe arranco um pedaço na perna!” O ladrão ás vezes bocejava, espreguiçava, mas não tinha cara de incomodo. Cada vez chegavam mais pessoas e muitas televisões estavam ao vivo. “Boa tarde, estamos aqui em frente à delegacia onde um perigoso ladrão de bancos aguarda ser ouvido!” Informou a repórter testando a voz. O delegado queria aproveitar seus minutos de fama e mandou que o assistente autorizasse a entrada daquela repórter de cabelos louros e voz aveludada. Mais uma sessão de acotovelamentos e palavras sem cabimentos de repetir. “Estamos ao vivo aqui com o Delegado Saldanha, muito tumulto e uma presa há muito esperada não é doutor?” Falou a repórter sobre os protestos lá de fora. “Sim realmente meu nome é delegado Saldanha, estou a cinco anos na direção da furtos e roubos, queria deixar claro aos telespectadores que estiverem assistindo ou verão o replay que estou com cinqüenta e dois anos de idade, sou casado com a Mariléia, temos dois filhos de sangue de nomes Edérleya e Edérley os nomes foram sugestão do meu irmão Ederlyndo que fazia dupla de musica sertaneja com meu outro irmão de nome Ederlynei. A Edérleya é formada em direito, mas ainda não conseguiu passar na OAB, Edérley fez Administração de empresas...” Quando o delegado fazia menção de outras citações parentais à repórter cortou o microfone. “Doutor e o ladrão de Bancos?” “Ah claro, esse meliante era procurado em toda região por roubar cinco bancos, de posse de uma testemunha, retratos falados e uma pré- confissão trouxemos o infeliz que vai ser ouvido assim que chegar o seu advogado!” Disse o delegado afrouxando o nó da gravata. “Pois eu já estou aqui!” Falou com semblante apressado um homem de terno, valise aberta com um notebook aberto dentro. Era o advogado. “Quero ver meu cliente agora, ou muita gente será processada por danos morais.” Ameaçou o advogado teclando o computador. “Ai está seu cliente, não o reconheces?” Disse o delegado apontando para o alheio ladrão de bancos com sua cara de motorista de ônibus. “Que merda é esta? Cadê meu cliente!? Se alguém esbarrar nele nem que seja sem propósito a coisa vai feder, vamos até o STJ! Ele foi um cara criado na periferia, nunca tivera a chance de possuir bens materiais. Quando viu que outros explodiam caixas eletrônicos e conseguiam comprar belas casas, carros importados e mulheres bonitas e famosas, psicologicamente aquilo mexeu com ele! Como dizia Marx O homem é produto do meio, foi o que aconteceu. Ele cometeu aqueles delitos, mas a culpa é da sociedade! Cadê ele porra!” “Porra é o caralho seu advogado de merda, quer que eu o prenda por desacato? O único ladrão de banco que temos é este bosta que até agora não saiu da posição, nem disse nada!” O advogado se levantou, foi até um canto e falou no celular. Voltou pedindo desculpas e entregando seu cartão ao apático ladrão com cara de motorista de ônibus. O delegado furioso gritou o assistente, “Leobino chama a testemunha!” “Sim senhor!” A testemunha do caso era o garoto que havia mergulhado entre as pernas das pessoas. “Você que é a testemunha menino?” “Sim doutor eu o vi roubando um banco!” “Repórter filma aqui, agora vou dar uma prensa nesse filho de uma égua!” Com um toque de olho para o assistente o delegado ordenou que levasse o homem até ele. “Muito bem, você está ao vivo, desembucha logo, quanto bancos você roubou?” O homem ainda alheio fixou-se na repórter que lhe esticava o microfone, cerrou um pouco os olhos em direção a luz da câmera e falou com mansidão. “Roubei cinco bancos!” O delegado levantou e deu um soco no ar como Pelé comemorando um gol, acendeu um cigarro e voltou fumando ao vivo. “Eu sabia, aqui é Saldanha cara! Aqui é o bicho! Eu sabia que minha intuição não falharia! Dê os endereços dos bancos, o pais todo está te vendo! Quais foram os bancos?” Neste momento sabendo que o jogo estava ganho, sentia sua família lisonjeada e assistindo seu triunfo, a esposa, os filhos e a amante Catarina Carcereira. “Libera a porta assistente, para que entrem todos e fotografem o grande furo!” Ordenou o delegado com empáfia de vitorioso. “Bom, o primeiro banco que eu roubei foi na pracinha do cemitério!” Disse o homem se encolhendo por medo dos flashes. “O segundo foi da pracinha do lanche lá no Cacau! O terceiro e o quarto foram da igreja, estes dois, meu primo Binha me ajudou. O quinto foi o que o menino viu, um banco da escola que ele estuda!” Todos se entreolhavam boquiabertos, a repórter estava petrificada, não conseguia desligar o microfone, o delegado fumava alucinadamente, o menino balançava a cabeça dizendo que havia cumprido sua missão e queria recompensa. O ladrão de bancos continuava com medo, não sabia qual seria sua pena, mas para tentar um atenuante confessou, “Eu queria dizer que os bancos não estragaram, eu levei todos para os pontos de lotações que tem lá no meu bairro, morria de pena quando olhava aquelas pessoas de pé, esperando uma eternidade para os ônibus passarem!” “Você parece motorista de Ônibus!” Confidenciou o garoto que o acusava. “Mas eu sou, estava indo para o meu trabalho quando a policia disse que estava investigando o roubo dos bancos, ofereciam cinco mil reais de recompensa, do jeito que eu estou devendo, achei que era lucro me entregar!”