Em tempo
As vezes me pergunto se ainda é cedo pra descobrir o que ela tanto cochicha sozinha pela casa. Sinto que são angústias. Orações talvez. E isso noto pela expressão dela. Mas a conhecendo bem como conheço, sei que se eu perguntasse, a resposta viria áspera e seca como só ela sabe ser quando quer ficar sozinha com suas preocupações. E talvez por isso eu tenha adquirido o hábito de me ocupar com outras coisas quando a percebo cochichando –com Deus, imagino – só para não prestar atenção e não me sentir invadindo a privacidade dela. Mas eu também me pergunto se ela estaria rezando por mim. O que em mim, causaria nela tanta preocupação? Nem sei se isso me deixa feliz ou repleta de culpa, mas volto o pensamento para outras angústias das quais tenho conhecimento e decido pensar que são essas. Pode ser que a aspereza dela também seja um hábito que eu adquiri, e uso quando acho que devo. Mas a minha maior angústia é nunca saber se ainda é cedo pra acalmar o coração da minha mãe, e por quanto tempo ainda será cedo pra evitar que o meu endureça tanto.