Solidão Criativa

Um conceito cremoso, ele pensou. Como os hidratantes que dão a pele áspera sensação de maciez, e sensação já é suficiente em tempos como o nosso. Não iria mais se enraivecer ou entristecer ou se hibridar nesses dois bichos humanos só porque lhe faltava gente pra conversar. Não é só conversar, - um adendo – é criar laços, redes de afeto, sentir uma afinidade entre mim e um outro que sacralize a existência – sim, e ele também queria sexo – Não só isso, ainda que isso também. Quero amor, poxa. – Não importava. A solidão não seria mais tratada como uma ferida que deixava pálida a vida e enrubescia os passeios. Nada de criminoso ou pornográfico. Negou ter encontrado esse termo em algum desses blogs de psicologia leiga ou autoajuda para ateus. Foi iluminação própria, vinda com dignidade do fundo de um ônibus lotado, às 18h

– Solidão criativa.

Pessoas demais entopem as arestas. Furor criativo, genialidade, ineditismo, são feras que vivem longe da cidadela feliz da popularidade. Habitam a beira do medo, do risco, da desesperança, e amigos demais impedem que cheguemos nesse lugar bonito. Solidão criativa. Ele era um mártir, porque soltou as feras e da carne delas fez poesia, encanto.

– mentira, ele foi devorado.

Depois do banho passou o creme no rosto, bastante. Era necessário passá-lo muitas vezes porque as sensações, como sabia, são em geral muito fugazes, e mantê-las indefinidamente era essencial. Do sangue das feras fez uma arte qualquer, pôs em qualquer lugar. Deu um suspiro santo de artista. Deitou-se e acariciou a carne pouco vermelha d’alma, imaginando maciez.

Está ótimo

Fechou os olhos e reabriu, muitas vezes. E para um Deus que não é o Deus dessas pessoas que vão as festas e bebem e riem e berram com exagero enquanto gozam, - agradeceu por tudo. Fechou os olhos e reabriu (sim, um hábito), e para seu deus dos gênios, pediu mediocridade.