ENTRAREMOS EM CONTATO

Era uma vez é como a maioria das histórias começa, seja na vida real ou na ficção. Até conseguimos pressupor como se desenvolve o enredo, em que momento o clímax é atingido, porém o desfecho ainda se mantém como uma incógnita. O cenário é o mesmo para 14,2 milhões de brasileiros desempregados que perderam seus empregos por conta de uma demissão, e até mesmo para novas pessoas que ingressaram no mercado de trabalho, mas não obtiveram uma oportunidade.

As causas são justificadas por uma série de fatores econômicos, sociais e políticos. Mas não precisamos ser especialistas no assunto para reconhecer que mesmo com a recessão, a existência de vagas é recorrente e efetiva. Como explicar então a delicada e laboriosa captação de profissionais competentes através de oportunidades disponíveis em sites de emprego e outros canais de contratação? Simples. Não tomamos conhecimento da origem e nem se tem clareza dos processos de seleção das empresas.

Como começa? Pode variar, mas basicamente um ou mais recrutadores nos questionam: me fale um pouco sobre você. Muitas vezes com esse simples, mas ao mesmo tempo complexo questionamento, esquecemos até o nosso próprio nome. O que dizer? Esperamos sempre que o mérito individual possa falar por si próprio na prossecução de testes online, dinâmicas, painéis e entrevistas gerais.

Mas é que meu pai é amigo do dono e me indicou para essa vaga. Sinal de que valores implícitos ou explícitos de preservação do poder instituído ainda estão de fato acima da lógica irrefutável do mérito individual. Sabemos que é vendida a prática de respeito à pluralidade social, racial e de gênero, mas não existem instrumentos que de fato façam valer o que preveem as leis. Como lidamos então com essas questões? Seguro desemprego e direitos trabalhistas. Só!

Falemos de profissionais capacitados nos processos de recrutamento e seleção, claro, isso quando as empresas investem internamente ou terceirizam o serviço de gestão de pessoas. O que existe, na grande maioria, é o desvio de função de um engenheiro ou advogado, por exemplo, dono da empresa que opta por se responsabilizar integralmente por todo o processo. Mas não seria o psicólogo, o profissional indicado para traçar o perfil comportamental do candidato mais apto?

Existe uma certa resistência no uso sistemático de testes de personalidade, porque desconhecemos sua aplicabilidade. Quer dizer, se eu pudesse ser um animal e optasse por ser um chimpanzé, e não um golfinho, isso diria que sou menos inteligente segundo os estudos científicos. Mas e quanto a psicologia? Se no momento em que adentramos a sala de entrevista, mexemos demais no cabelo, já recebemos anotações em nosso prontuário descrevendo sintomas patológicos de ansiedade. Mas e se a intenção era puramente arrumar o cabelo para melhorar o nosso campo de visão?

Eu sei, estou dificultando o trabalho de todos vocês, profissionais de RH, mas não estou pedindo para nos ensinar a decorar respostas prontas ou o passo a passo para identificar o que esperar de um processo seletivo e dos resultados de cada uma das etapas estabelecidas. Claro, isso incomoda muito a gente, porque acabamos não sabendo de muita coisa que acontece. Mas é como na vida. Na maioria das vezes, não temos controle da ordem e muitos menos da forma com a qual os acontecimentos ocorrem.

Mas quer saber o que mais nos incomoda? (E vai parecer carência afetiva depois do primeiro encontro, mas é só falta de consideração mesmo) Escutar que vocês tomarão a decisão na próxima semana e irão nos ligar, quando na verdade, isso só acontece quando somos selecionados. Enquanto isso, ficamos grudados no telefone e não saímos de casa esperando um retorno, um parecer positivo ou negativo.

Afinal de contas, muitos de nós investimos certas quantias de que não dispusemos na aquisição de trajes para a ocasião, nos deslocamos de muito longe e com muito pouco para chegar em nosso destino e nos expomos para pessoas com as quais nunca tivemos algum tipo de contato sujeitos à todos os tipos de julgamentos. Por isso, insisto: não digam que entrarão em contato se vocês realmente não pretendem e nem poderão fazer isso. Todo mundo sabe que abrir a boca e dizer o que quer é muito fácil, certo? Mas vocês também não gostariam de ser enganados.