Aos homens e mulheres de Hiroshima.

Não conseguirei me esquecer dessa data. Quando menina, já apaixonada pelo estudo da História, descobri Hiroshima. Que dor surda e atordoante. Quanto horror diante da insensatez da condição humana.

Lia estarrecida algumas memórias dos sobreviventes. Via as fotos de pessoas aos pedaços. Uma mulher exibia as costas queimadas e em frangalhos. Imagens do museu de cera da cidade mostrando como as pessoas perdiam as suas peles.

Anos atrás eu tive um aluno que me confidenciou, depois que os colegas foram embora, que os pais eram sobreviventes de Hiroshima. E que ele se sentia diferente de todos, pois não tinha um tio, um primo, uma avó, uma foto sequer da família que, um dia, existiu.

Se eu fosse rezar por todos eles, eu apenas pediria perdao.

Perdao pela atitude humana, pela mesquinharia e avidez, pelo descaso com a sorte alheia. Perdao por quererem se colocar diante do mundo como o único e absoluto senhor do planeta, desdenhando e calcinando corpos e almas. Aos órfãos de Hiroshima, tento, depois de mais de sete décadas, pegá los no colo como se fosse possível. Acariciar os seus cabelos, apertar suas bochechas e, quem sabe, lhes prometer alguma esperança. Falar em sonhos... não sei se conseguiria.

Para os viúvos e viúvas, acho que diria que a vida é passageira e que encontrarão, um dia, os seus pares, saudáveis, inteiros e sorridentes.

Não sei o que diria, na verdade. O assombro toma conta. Especialmente quando me lembro de um cartão postal que um dia recebi. Uma estátua gigantesca que se exibe numa praça central daquela cidade. Uma mae debruçada, em situação de noventa graus, sobre o filho no colo. O outro braço na inútil tentativa de proteger a criança que carregava amarrada às costas. Todos os três se petrificaram com o lançamento da bomba.

Eu não sei nada. Não saberia o que dizer da miséria humana. Nunca consegui sorrir nem de longe ao me lembrar do 6 de agosto de quarenta e cinco.

Apenas sei, tenho a mais absoluta certeza, de que estamos absolutamente ameaçados como espécie pelos nossos corações empedernidos há séculos, há séculos, há séculos. E que somente o compromisso de fazermos da nossa vida um pedacinho do cosmos, pedaço ínfimo, podemos ter alguma esperança na continuidade da existência.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 06/08/2017
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