Relato de uma tarde - Estranhos sentimentos

A tarde foi de trabalho, fui fazer um Freelancer, fui bem tratado e a remuneração não foi ruim, afinal, para duas horas de trabalho, no mínimo, foi boa.

O caso é que sai de casa apenas com meu cartão do transporte coletivo e nenhum centavo no bolso, puro descuido, deixei meu cartão de débito e sai desprovido de qualquer quantia em espécie.

Antes de sair do local, assinei um recibo e meti a grana na algibeira, logo na saída, ascendi o último cigarro e segui andando pela avenida T9, sem questões maiores, fui logo pensando enquanto caminhava e fumava, se não fosse o pagamento só voltaria a fumar quando chegasse em casa. E isso demoraria pelo menos duas horas, devido ao “eficiente” transporte público disponível na cidade. Logo encontrei uma loja de conveniências e comprei cigarros, chocolate e uma garrafa d`água. Um luxo que a maioria dos trabalhadores brasileiros não podem se dar. Depois disso, esperei por um ônibus e constatei que a demora não era uma agonia só minha e que a expressão de tensão e medo era geral entre os passageiros. Não consigo precisar se era por que tirei a barba pela manhã e eu mesmo me estranhava ou se realmente as pessoas me achavam estranho ou com cara de suspeito de ser um dono de bordel, uma espécie de cafetão que agencia pessoas bonitas que andam de ônibus pela cidade. Rsrsrsrsr, de qualquer forma segui viagem entre os assuntos aleatórios me lembrei que gosto de arroz com carne de sol e faltando uma parada antes do ponto habitual de desembarque, desci, passei no açougue e depois no supermercado. Comprei a desejada carne de sol e outras coisas, no supermercado umas cervejas e outras coisas, quiçá, supérfluas e segui caminhando.

Triste homem aquele que pensa que o mundo lhe pertence, juro que o ato de sair de casa sem grana, ter recebido no fim do serviço prestado me fez pensar num período da História, que conhecemos como ”pré-Industrial ou industrial”, no qual após 15h de trabalho, a paga não era o suficiente para um pai de família comprar um jantar digno para si e sua família. Logo não é essa minha situação, pois não tenho filhos e não sou responsável por nenhuma família, mas me fez pensar que é esse o caminho que trilhamos e que com otimismo, ‘idiota,’ conseguiremos remuneração suficiente para nos alimentarmos e alimentar nossas famílias no jantar.

Ainda otimista, tive tempo pra pensar e escrever estas poucas e toscas palavras ao passo que muitos nem mesmo podem dizer que tem o suficiente para ter o privilégio de possuir o cartão do busão com crédito e andam por ai sem rumo, em busca de sobras de açougues e supermercados para alimentarem seus filhos que alimentaram as vorazes engrenagens da estupidez capital.

Tristes homens, ignorantes seres que se alimentam de imagens vendidas sem interação. Apenas ilusão de dias melhores.

Voltei ao açougue para comprar toucinho, adoro torresmo com cerveja.

Sidi Leite
Enviado por Sidi Leite em 11/08/2017
Código do texto: T6080636
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