Livrar-se dos livros

Acho que tenho livros demais. Talvez não pareçam tantos assim, são só uns 200, 300, mas são livros demais. A maioria deles nunca sai da estante e dificilmente sairá, pois não pretendo relê-los algum dia. Já não me envaidece a ideia de manter uma biblioteca particular. Pra quê, se depois de mim nada disso vai restar, se não me deixarão levar um único exemplar para o além-túmulo? Todos irão acabar, mais cedo ou mais tarde, em um sebo ou em uma biblioteca pública. Tenho procurado me antecipar a esse fim e me livrar eu mesmo dos livros, vendendo-os ou doando-os, pois o importante é que circulem, enquanto que na minha casa eles constituem um letrado cemitério.

Obviamente, tenho alguns livros que são da minha especial afeição, e desses não pretendo me livrar tão cedo, mas não são tantos assim. “Dom Quixote” e “Os Miseráveis”, por exemplo, seriam os exemplares que eu salvaria de uma casa pegando fogo. Não me livrarei também dos livros do Rubem Braga, pois esses eu estou sempre consultando na tentativa de escrever crônicas mais aceitáveis. Manterei também os do Fernando Sabino, porque estes constituem uma coleção, que ainda não está completa. E Fernando Sabino é uma coisa que sempre se deve reler.

Mas, de resto, quero manter apenas os livros que me deram de presente e os que possuem uma dedicatória ou um autógrafo para mim. Eu sempre achei uma coisa triste quando empresto os livros na biblioteca e vejo que possuem uma dedicatória. Às vezes o carimbo da biblioteca tem uma data bem próxima da dedicatória. Foram pessoas que receberam um livro, agradeceram, sorriram e tudo mais, mas, definitivamente, não quiseram lê-lo. Aos que me escreveram dedicatórias, tranquilizem-se, isso só irá acontecer no dia em que eu não estiver mais aqui.

Em relação aos autógrafos, eles aumentam o valor do próprio livro. Pode ser um livro velho e usado, mas se tiver um autógrafo do autor não será vendido por menos do que 50 reais. Tenho alguns autógrafos interessantes. O primeiro que tive foi do Moacyr Scliar. Levei para ele uma edição dos anos 70 de “O Exército de Um Homem Só”. Ele observou com interesse a edição antiga, e não sei que coisa eu falei ou dei a entender para que ele resolvesse me escrever “Ao Henrique, leitor culto e simpático”.

Isso foi em uma feira no livro, na mesma edição em que o João Gilberto Noll me autografou “Harmada”. Dele não ganhei um elogio, mas um “abraço sincero”. O autógrafo mais original que tenho é do Antonio Prata. É que eu estava em outra feira do livro e na mesma hora do debate com o Antonio Prata havia outra com o Ruy Castro e eu não sabia qual delas assistir. Acabei indo para a do Antonio Prata e contei a minha dúvida para ele, que então escreveu no “Nu, de botas”: “Pro Henrique, valeu por ter vindo aqui e não no Ruy”. Mas, por sorte, o debate dele acabou antes e eu ainda pude pegar o finzinho do debate com o Ruy e dele arrancar mais um autógrafo. Um convencional, sem nenhuma alusão ao Pratinha.

Falei ali que o autógrafo encarece o livro, mas tem casos em que o dono do sebo não se dá pela coisa. Uma das preciosidades que tenho comigo é um autógrafo do cronista Carlinhos Oliveira para o crítico de música José Ramos Tinhorão. Com a data de 1967, essa edição de “A revolução das bonecas” foi comprada na Internet por 10 reais e eu só soube do autógrafo depois de abrir o pacote.

São livros de que não me livrarei, afinal. Ainda há, no entanto, muitos livros aqui para os quais estou procurando o dono ideal. Eu quase não compro livros mais, a maior parte do leio vem das bibliotecas. Que eles guardem os livros para mim e destinem a todos que os quiserem – de quebra, ainda terei um bom espaço na estante.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 12/08/2017
Reeditado em 12/08/2017
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