Não há barreiras, havendo vontade!

Era madrugada e eu pedi o sono. Logo vem o pensamento de ver televisão e foi o que eu fiz. Liguei e fiquei passando os canais em busca de alguma boa programação, não foi muito fácil, face ao lixo televisivo que temos no nosso país, principalmente nas madrugadas!

Parei na rede vida, um canal da igreja católica porque estava passando uma história que me chamou a atenção. Era um homem contando a sua história de vida, lutas e superação. Nenhuma novidade até aí, mas, ocorre que ele era surdo mudo e queria ser padre, uma barreira quase intransponível! Quase...

Com a ajuda de um intérprete, na língua dos sinais, ele contou, emocionado, sua história. Ele fez os primeiros estudos (não iguais aos de hoje, fundamental médio), e agora queria ir a um seminário para estudar teologia e se formar em um sacerdote católico, um padre.

Escreveu para vários seminários, mas sem sucesso, todos o recusaram. Respondiam que não tinham condições de recebê-lo porque não havia professores qualificados e treinados para essa situação e ensinar as matérias à altura da necessidade do aprendizado para o desenvolvimento posterior da santa vocação.

Um dia ele ficou sabendo de um seminário em Minas Gerais que poderia lhe dar a oportunidade que precisava e escreveu para lá. Não demorou muito, para sua grata surpresa veio a resposta: “Pode vir, estamos prontos para recebe-lo, você pode estudar teologia aqui conosco, venha!”

Muito feliz ele viajou para o seminário. Estudou teologia e se formou. Agora era um padre. Mas, não houve nenhum chamado para uma paróquia para que ele pudesse desenvolver suas atividades sacerdotais como padre que agora era.

O bispo um dia o chamou e lhe disse: “Filho, você não vai conseguir, procure outro rumo para seguir, faça outro curso e adquira uma boa profissão e toque a vida ou você pode ir até Roma e solicitar pessoalmente ao Papa sua ordenação ao sacerdócio...”

Muito esperançoso pediu, então, ao bispo que o levasse até o Papa, à época Papa Pio XII e o bispo concordou em leva-lo.

Não demorou e a viagem aconteceu. Agora, frente à frente com o Papa, em audiência, ele pediu ao Papa Pio XII, com intérprete na linguagem dos sinais: “Posso ser padre?”

O Papa perguntou à ele como estava o seu latim, entre outras coisas e disse que infelizmente não, porque nunca tinha havido um padre surdo mudo e sugeriu que ele lesse mais e se aperfeiçoasse mais nos estudos e retornasse em outra oportunidade.

Ele ficou muito triste, voltou e seguiu o conselho do Papa. Estudava, lia bastante e numa dessas leituras ele descobriu que na França, em 1921, havia tido um padre surdo mudo. Sem pensar, rasgou a página do livro e guardou no bolso. Correu até o bispo e perguntou quando iria novamente a Roma e que queria ir junto outra vez e falar com o Papa.

Viajaram e em audiência com o Papa Pio XII ele pediu: “Posso ser padre?” Com todo amor o Papa respondeu: “Filho, é difícil e complicado, pois nunca teve um padre surdo mudo!” Mas agora, munido da prova e convicto ele respondeu: “Sim, em 1921, na França, teve um padre surdo mudo, Padre Jean de La Fonta!” O Papa perguntou: “você pode provar isso?” Sim disse ele e tirando o papel do bolso o entregou ao Papa que agora, convencido de sua determinação e vocação o ordenou padre Vicente Burnier, em 1951, em Juiz de Fora, Minas Gerais. Hoje com 84 anos, Monsenhor Burnier foi o primeiro padre surdo mudo do Brasil e o segundo do mundo, o primeiro do mundo foi justamente o padre francês Jean de La Fonta.

Ele contou que por esta sua luta determinada hoje há no mundo padres natisurdos nos Estados Unidos, Coréia e África do Sul.

Hoje o único padre surdo mudo do Brasil é o padre Wilson Cazia. No altar, padre Wilson que nasceu surdo e, por conta disso, não fala, vai se comunicando com palavras proferidas por meio da língua de libras. "Estou muito feliz pela escolha que eu fiz. Eu entendi que foi um chamado de Deus. Estou em todos os lugares que me chamam. A missão não é só evangelizar os surdos, mas os ouvintes também", diz o padre, por meio do seu intérprete.

O que podemos absorver desta história verdadeira é a máxima de que, não há barreiras, havendo vontade e determinação para os fins que se fizerem necessários.

Dr. Camilo Martins – Ph.I

Presidente da ALB/RMC