Vai ou racha

Recorro agora nesta última hora, urgência de fechamento de edição, a umas minhas reflexões antigas, após ouvir do filósofo Clóvis de Barros Filho: “pra trás, nem pra tomar impulso, seu bosta.” Percebo que tenho deixado sempre as urgências me impulsionarem. Chato concluir que se é motivado pelas pressões, mas consola-se a conclusão de que de qualquer forma se vive. Mesmo nesse vai-ou-racha.

Observo sempre com muito interesse a vida que borbulha ao meu redor. As pessoas envolvidas num rodamoinho vertiginoso, algumas muito próximas, ligadas a mim por laços de sangue ou simplesmente por afinidade. Um vizinho, um compadre, um cliente ou fornecedor, um irmão de fé. Outras conhecidas apenas de vista, dos encontros matinais na rua a caminho do trabalho, tantas e tantas vezes ao longo dos meses, dos anos que a gente até se afeiçoa mutuamente, conscientes de sermos peças da mesma engrenagem. Fico pensando nas motivações que impulsionam a cada vivente nesse desenrolar do tempo e acabo por me avizinhar das minhas próprias motivações e me apanho ancorado nalguma enseada sombria de um mar de dúvidas e questões sem respostas. A quanto tempo estou à deriva? Por que afinal eu estou lutando? Que ventos devo esperar que enfunem minhas velas? Ou a quantas procelas mais sobreviverei. De que me vale uma bússola se nem sei ao certo onde quero chegar? “Os navegantes olham mais para o céu que para o mar.” Quem foi mesmo que fez essa magnifica constatação?

Estive com um amigo na manhã de um desses domingos passados, ocasião em que ele tocava alegremente o seu pandeiro e no domingo seguinte estava sendo pranteado pelos amigos e parentes. Uma amiga luta há anos contra um câncer. Outro amigo está perdendo a casa porque não conseguiu pagar a prestações em dia. A menina filha do meu amigo do tempo de moço me surpreende com o convite para sua formatura. Um velho conhecido está com o casamento marcado aos oitenta e dois anos. O meu colega de letras está com seu primeiro livro em fase de correção...

Uma das cenas cinematográficas que mais me impressionaram na vida, vi no filme norte-americano Papillon, produzido em 1973 por Franklin J. Schaffner e estrelado por Steve McQueen, Dustin Hoffman, Victor Jory, Don Gordon e Anthony Zerbe e conta a história de um homem preso injustamente na Ilha do Diabo, na Guiana Francesa. O argumento foi adaptado do livro autobiográfico de Henri Charrière, com o mesmo título. A cena a que me refiro é a do protagonista deixado por dias numa solitária sem água e alimento espreitando desesperado, as baratas que entravam por debaixo da porta. Comer o inseto asqueroso era a sua forma de se manter vivo. O homem tinha como motivação para suportar o peso do sofrimento, o sonho de liberdade, mas naqueles dias na solitária a sua grande motivação era não morrer de fome.

Parece-me de repente que a motivação se apresenta das mais variadas formas. Alguma salvação chega mesmo como uma labareda na moita de espinheiro em que se está preso.

Carlinhos Colé
Enviado por Carlinhos Colé em 15/08/2017
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