Testemunho de Eleitor Dependente

Devo este testemunho a algo oculto, que nos acompanha e faz conversarmos conosco mesmo. É uma espécie de tribunal mental em que existe debate semelhante aos realizados pela defesa e acusação. Como tudo é desempenhado por única atriz, a mente, muitas vezes ela mente...

A síntese do debate entre defesa e acusação é que esta acusa com fatos, comentários, notícias, depoimentos e a outra, na maioria das vezes, defende argumentando com outros fatos ou com sentimentos, mas geralmente, não diretamente relacionados ao objeto da acusação.

Esse tribunal mental se estabeleceu com mais intensidade a partir do plebiscito sobre parlamentarismo, presidencialismo e monarquia, no início da década de 1990 (1993?).

A acusação indagou, como que sempre defendeste o parlamentarismo e agora votas em presidencialismo? A defesa responde que foi por orientação do partido. Orientação do partido ou dum grupo minoritário e autoritário que domina o partido? Além disso, nem és filiado, por que tanta obediência? Além de tudo isso era de conhecimento que teu partido era parlamentarista.

Logo em seguida, a acusação incomoda outra vez; olha o partido trocou seu projeto político por projeto obsessivo de poder. Presta atenção, agora, o projeto é “Lula Presidente”. E a defesa respondeu: não existe outro caminho à realização de nosso projeto político. E a acusação insiste com irônica pergunta: projeto político?

Depois chegam os dias em que está próxima a tomada de poder e, antes do 2º turno consagrador, a acusação me vem com a Carta ao Povo Brasileiro e afirma: o autor dessa carta é quem realmente governa o país, o capital financeiro; a assinatura é como se fosse compromisso, subentendido nas entrelinhas da carta: “vossos interesses selvagens estarão garantidos, meu governo não exigirá auditoria da dívida, não reduzirá a farra dos juros altíssimos e, podem contar será governo onde se surpreenderão com tantos ganhos”.

A defesa retrucou, sorrindo, estás totalmente desinformado, pois somente escutas a versão que te interessa, mas nas reuniões reservadas do Foro de São Paulo e do partido, ficou claro que depois, no governo, acontecerá grande guinada para a esquerda. Lula comandará, com sua autoridade e liderança: “esquerda volver”.

A acusação retruca, com argumento definitivo e que titubeou a defesa: a carta garantirá a vitória, não tem como perder, pelo menos, vota nulo, para não teres responsabilidade com o que poderá acontecer.

E aí veio o início do século XXI e a parte acusadora, desse tribunal mental, veio com força pelo fato do assassinato de Celso Daniel e de outro prefeito de Campinas, (o Toninho?).

Vociferou, como se fosse seu golpe de misericórdia: “sabes muito bem que teu partido era financiado, até 2002 pelo bicho, transporte público e o lixo dos muitos munícipios sob sua administração e, até alguns outros, sobre administração de aliados regionais. Entretanto, aquele Celso Daniel que imaginava o resultado financeiro do ilícito destinado a causa - o poder, Lula Presidente, pra implantar as diretrizes do Foro de São Paulo - descobriu que boa parte estava sendo destinada a bolsos de companheiros e reagiu. Entendes porque foi assassinado.

E a defesa retrucou afirmando que se tratava de propaganda dos opositores, para impedir que continuasse o vertiginoso crescimento do partido.

Mas, a acusação não descansa é de persistência tenaz: se fosse mera perseguição, não percebes que a morte de sete ligados ao processo investigativo: o médico legista; o sequestrador; o investigador de polícia; o agente financeiro e mais três testemunhas teve a intenção de abafar, de impedir que os fatos fossem esclarecidos.

E minha parte aliada nesse tribunal mental, a defesa, replica: meras coincidências, que os perseguidores exploram como urubus disputando carniça.

E a cada evento, que poderia ser explorado pela acusação... E, veio o mensalão E, a primeira indagação dessa incômoda parte de meu tribunal mental: não sei como podes acreditar que teu líder máximo, aceita que seu capitão do time, seu Chefe da Casa Civil, o teu inspirador, o Zé, articulava o esquema de compra de votos dos parlamentares e o técnico, o chefe do Governo e do Estado não sabia de nada?

A solidária defesa me socorre e justifica: não te esqueças de que o Zé sempre te disse que não existe outra forma de governar esse país, dentro desse presidencialismo em que o presidente tem prestígio eleitoral, mas não tem poder político. Dizia mais ainda, que Lula sempre teve razão ao afirmar que a maioria do Congresso era picareta, então para formar a tal base aliada, só na imoralidade da “compra de votos”. E a acusação acrescenta: não é só imoralidade é crime.

E essa maldita acusação, que cada vez aumenta o cerco e deixa-me sempre em becos sem saída, julga meu comportamento e de meu partido com pergunta sobre atos incoerentes de passado recente: então como sabedores disso, e baluartes tu e teu partido em ter como bandeira de luta “a construção de nova forma de fazer política”, substituindo essa minúscula, votaram contra o parlamentarismo? Não precisa responder como já te mostrei, porque trocaram seus projetos políticos, por um único e obsessivo projeto, até certo ponto pessoal, de poder.

E a defesa alivia mais uma vez: não liga não, esse argumento vem dos opositores que queriam continuar eternamente no poder... Mais uma vez se intromete, essa tagarela maldita da acusação, com a afirmativa: o PMDB desde a redemocratização nunca deixou de governar... E teu partido deixou a seletividade na escolha das alianças do projeto político, pela escolha de quem o favorecia e favorece ao projeto de poder.

Em julho de 2005, estava de férias. Infelizmente, liguei a TV da pousada, para assistir ao programa Canal Livre, pois o entrevistado era companheiro dos bons tempos e de minha maior admiração. Estava desinformado, não sabia que tinha, assim como tantos, saído do partido.

As declarações daquele que, inclusive havia coordenado a campanha para eleição para presidente, em que Collor saiu vencedor, estava lá para abrir o verbo. Foi um prato feito para meu algoz, a acusação.

Aparentemente compassiva, pois entendera o grande golpe sofrido, pede: reflete sobre o que o homem de luta, amplamente conhecido como bom caráter, construtor de teu partido declarou. Vou refrescar tua memória com as principais afirmativas:

a) Lula sempre teve seus esquemas pessoais na vida do PT, que culminou com o Instituto de Cidadania. Esse esquema pessoal começou a gerenciar quantidades crescentes de recursos e isso foi decisivo para que o grupo de Lula obtivesse a hegemonia dentro do PT e CUT;

b) Depois ficou claro que havia financiamento de bancos, empreiteiras, que nunca fora discutido no partido. Fração do partido montara esquema paralelo. Não obtive nenhuma reação da direção;

c) No encontro nacional do partido levei essa questão a 800 delegados e utilizei, para ilustrar minhas previsões negativas sobre o partido, a expressão: “ ISSO É O OVO DA SERPENTE. SE NÃO CORTAR IMEDIATAMENTE ISSO IRÁ DESTRUIR O PARTIDO”.

d) De volta ao presente, já se relacionando ao escândalo, confirmado 10 anos mais tarde, conhecido como “PETROLÃO” acrescenta: esse esquema (depois denominado projeto criminoso de poder) se desdobra em várias frentes. É possível ver suas impressões digitais em Santo André no caso Celso Daniel. Estamos diante de grupo que estava montando, dentro do governo Lula, o que talvez pudesse vir a ser o maior esquema de corrupção já conhecido;

e) Se pegarmos os fios e juntarmos, teremos conjunto de entidades, instituições, empresas públicas e privadas, que é assustador. Aparece no Banco do Brasil, na Petrobrás, nas verbas de publicidade, nos Fundos de Pensão. Esse esquema tem complexidade e permanência no tempo.

Não entendia como a acusação selecionara tanto da longa entrevista de Cesar Benjamin. Interrompendo os poucos momentos em que era eu mesmo quem refletia, a acusação complementa sua rica, forte e implacável enumeração: acrescenta a tuas reflexões que hoje, graças à Polícia Federal, Ministério Público e Procuradoria Geral da República, grande parte daquelas afirmações, em noite de tuas férias em Julho de 2005, está mais do que demonstrada e, as outras, ainda não confirmadas, não têm porque não terem o mesmo resultado.

Minha mais do que companheira defesa, outra vez me socorre: é como o Zé dizia e Lula em depoimento a Sergio Moro, ratificou, não existe como governar nesse presidencialismo, sem a utilização da corrupção e de outros meios sem qualquer pudor republicano. Todos os governos fizeram o mesmo. Essa onda de ataques e acusações é perseguição. Lula realmente jamais soube de nada e nunca se envolveu nessas “maracutaias”.

A impiedosa acusação fortalece sua argumentação retrucando: já me referi sobre votarem nesse presidencialismo, tendo a chance histórica de elegerem sistema menos centralizador e muito mais fácil de exercer as ações de governo, o parlamentarismo, pois o primeiro ministro é escolhido pelo parlamento. Quanto a não saber de nada, como é que um político, que está no topo da pirâmide de poder nacional e de seu partido (o Grande Chefe) não soube da entrevista de Cesar Benjamin? Como não saber de nada se a afirmativa de que sabem está na declaração de que nesse presidencialismo é obrigatório, se quiser governar, a utilização desses meios?

Pensei que se esgotara a munição de minha parte acusatória desse incômodo tribunal mental. Qual nada, como se fosse municiado por arquivo , acrescenta o seguinte comentário: existem muitos considerados notáveis do quadro de teu partido que deram declarações desabonadoras sobre as mudanças de diretrizes do PT e sobre Lula: Hélio Bicudo, o saudoso Plínio de Arruda Sampaio, Chico Oliveira, Heloísa Helena... Vou tentar comover tua teimosia, ou cegueira deliberada, com duas declarações do cientista social, declaradamente revolucionário de esquerda, crítico dos reformistas como tu e muitos outros, Chico Oliveira, dadas em 02/07/2012, no Programa Roda Viva, da TV Cultura:

a) A aliança, Maluf, Lula , Haddad é o fracasso da política e do PT;

b) Lula nunca foi socialista, os que conviveram em tempos de sua participação sindical sabem que seu projeto pessoal é tornar-se muito rico.

Acrescentou, ainda, outra d denúncia desabonadora sobre Lula, sem antes lembrar-me de que já escutara esse comentário nos tempos de trabalho de chão de fábrica em São Bernardo do Campo – SP: Romeu Tuma Júnior, ex-Secretário Nacional de Justiça do governo Lula, em seu Livro “Assassinato de Reputações Um Crime de Estado” afirma que o sindicalista Lula, que nunca negou ter relação de amizade com seu pai Romeu Tuma - DOPS São Paulo, capital, no período da ditadura – era informante e tinha o codinome “Barba” .

Agora mais recente o procurador Daltan Dallagnol em entrevista coletiva indica o ex-presidente Lula como comandante máximo do esquema de corrupção investigado pela Lava Jato.

Minha defesa, com muita propriedade argumenta tudo isso tratar-se de esquema muito bem organizado de perseguição, com o interesse de quem não quer o retorno de Lula à presidência da república nas próximas eleições. Além disso, tu, a acusação representas a classe média e, como bem qualificou nossa companheira, a filósofa Marilena Chauí, na presença e sob aplausos do maior líder político da história brasileira, Lula: a classe média é fascista, violenta e ignorante. Portanto representas o de pior nesse tribunal.

Aproveitando o alívio que senti pela força e agressividade de minha defesa e parece que, pressentindo o que estava para acontecer, a tagarela acusação acrescentou: tu não achas muito pequeno, para um líder, que dizes de tanta grandeza, humilhar a primeira dama, levando em muitas viagens, inclusive internacionais, utilizando o seu luxuoso avião presencial, a Rosemary Noronha; tu não achas, aquilo que pensava que podria ser boato, mas agora o próprio Lula, em vídeo, de reunião do Foro de São Paulo, declara que, antes de Evo Morales ser eleito, este perguntou-lhe o que pensava sobre ele estatizar as plantas da Petrobrás na Bolívia e respondeu, como garantia de acordo implícito: “o gás e o petróleo são de vocês...”

Antes que essa tortura continuasse, dissolvi esse tribunal sentenciando: não adianta continuar com ele, pois o juiz sou eu e minha sentença já a tenho e é irreversível. Nenhum tribunal mental pode convencer a viciado e dependente de heroína, cocaína ou crack. Ou, ainda, tentar convencer a uma das partes de casal sado masoquista, em que um é agredido e o outro se liga cada vez mais, como a figura clássica da “mulher de malandro”.

Sou Lula dependente, mas existem muitos outros dependentes de outras “drogas de líderes políticos”. Certamente existem e espero que se sofram a mesma tortura desse tribunal mental, tomem a mesma decisão, dissolva-os e entreguem-se aos devaneios e fantasias da droga.

Aproveito também para declarar meu voto, para reconduzir Lula ao cargo, de que nunca deveria ter saído, Presidente da República do Brasil.

E, não me venham com sermões de que a dependência a drogas é doença, inclusive da alma. Sinto-me melhor, mais reconfortado do que, se livre dessa dependência tiver que encarar o fedor e a miséria da lama da realidade.

J Coelho
Enviado por J Coelho em 22/08/2017
Reeditado em 01/09/2017
Código do texto: T6091374
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