SITUAÇÕES DA VIDA - A CULPA É DO MONOLITO

SITUAÇÕES DA VIDA – A CULPA É DO MONOLITO

Tarde chuvosa de domingo, depois do almoço é sempre um convite gostoso para ficar em casa, ler um pouco, ensaiar alguns acordes no violão velho, assistir aquele ‘cult movie’ de quarenta, cinquenta anos atrás, ou simplesmente, arrumar armários e gavetas.

Ao invés de arrumar o armário, resolvi assistir ‘2001: Uma Odisséia no Espaço’, um filme de Stanley Kubrick, de 1968, o qual já devo ter assistido desde o lançamento no cinema, uma dúzia e meia de vezes, ainda e sempre na tentativa de entender o final.

Mas, para isso era necessário, antes, encontrá-lo no armário repleto de dvd’s misturados desorganizadamente. Na busca, fui me deparando com comédias nacionais, shows de divas e ‘divos’ da música americana, alguns dos quais ia colocando à parte para uso em futuro breve.

Em meio à poeira e outros dvd’s que não tinham mais qualquer sentido estarem ali ocupando espaços de outros, encontrei um filme ainda mais antigo, datado de 1961, estrelado por Spencer Tracy, Marlene Dietrich, Burt Lancaster, Maximilian Schell e Richard Widmark – O Julgamento de Nuremberg, de outro Stanley, só que, Kramer .

Dando uma olhada no interior do armário, deduzi que ainda faltaria muito para encontrar o filme de Kubrick, uma verdadeira odisseia dentro daquele quase mágico armário que sempre que o abria me transportava para outros mundos, outras situações, outras tantas estórias.

O futuro imaginado por Kubrick e Clarke, o qual já era passado pelo menos há 16 anos poderia esperar mais um par de horas.

Interrompi a ‘busca’, e fui assistir o Julgamento. Era quase certo de já tê-lo assistido, mas sobre o mesmo, pouco ou quase nada lembrava, portanto, tornou-se inédito mais uma vez.

Filme longo, diálogos inteligentes, conceitos definidos, cuidados morais bem delineados, interpretações magistrais, praticamente todo ele passado dentro da sala de um tribunal, nenhuma ação, só interpretação e direção. Mas, que filme!

Comparei com a maioria dos filmes atuais e vi como estes estão mais pobres, embora ricos na produção e elenco. Os blockbusters de hoje são produções caríssimas, com artistas renomados cujos nomes são verdadeiras alavancas de bilheteria, mesmo sendo fraco o filme.

Diálogos praticamente inexistem. Apenas muita ação criada por computadores e caretas dos atores.

Da mesma forma, como os primeiros apartamentos construídos assemelhavam-se em suas dimensões internas às residências da época, os filmes do passado conservavam muitos traços das peças teatrais, onde os diálogos eram essenciais.

Ao longo do tempo, os filmes foram se dissociando do teatro, assumindo caminho próprio e hoje estão casados com a tecnologia da computação. Estão fantásticos nas cenas, nas ações, mas pobres no conteúdo.

O filme acabou, os créditos começaram a passar na telinha e fiquei pensando em qual caminho a nossa humanidade está a percorrer? Parecendo-me que não nos preocupamos em aprender com a história.

No mais das vezes, a repetimos com novos personagens, novo enfoque, mas com resultado igual.

Um dvd com o show do Johnny Mathis, gravado em 1998 estava ali separado à minha frente. Ainda não havia encontrado o dvd com o filme de Kubrick. Este poderia aguardar um pouco mais e, então, assisti o show do cantor texano.

Uma voz única interpretando magicamente canções maravilhosas.

Como que enfeitiçado estivesse, fiquei a assistir o show do grande intérprete da música mundial, por quase uma hora e meia e que foi finalizado com a plateia dançando Aquarela do Brasil.

No cantinho escuro e esquecido do armário, atrás de tantos outros dvd’s menos lembrados, acabei por encontrar o ‘2001: Uma Odisseia no Espaço’.

Consagrado tardiamente pela crítica como sendo um filme influenciador e inovador para a época, quando levou a estatueta do Oscar para Efeitos Visuais, terminei a minha sessão dominical nostálgica vendo o famoso monolito ser tocado por nossos ancestrais humanoides, os quais após esse primeiro contato, segundo o argumento do filme, teriam começado a raciocinar.

Cheguei, então, à conclusão de que a culpa por ter que arrumar e organizar o armário de dvd’s num final de domingo, foi daquele estropício de monolito, pois se não fosse por ele, talvez estivesse nesse momento comendo raízes e não pensando na vida que estamos levando no Brasil.

Luiz Alberto Gaspar de Vasconcellos

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