O NOSSO AMOR A GENTE INVENTA

Se o amor tivesse um nome seria o teu. Ou o meu. A própria palavra amor é uma criação humana para definir forte afeição por outra pessoa, nada mais justo então nomeá-la como quisermos, não? Imagine a morosidade dos cartórios em registrar os inúmeros nomes fornecidos para os laços de consanguinidade ou para as relações sociais. Com certeza, seria laborioso. Mais até do que registrar certidões de casamento que podem vir a tornar-se certidões de divórcio.

Para esse fim, melhor fazer uso da licença poética como Cazuza. Ele é o cara, sobretudo porque seguiu os preceitos do filósofo Voltaire. Em sua canção intitulada “o nosso amor a gente inventa”, ele reafirma o que o filosofo francês disse sobre o amor:  sem dúvida, um dom da natureza, mas que pode ser modificado diariamente pela nossa mente e nossa imaginação quando o embelezamos. Como você gosta de decorar o teu?

Para Platão, quando amando, as pessoas passam a expressá-lo com a eloquência e a paixão de um poeta, porque o enxergam muito mais gracioso e florido. Para mim, isso é o que o paisagista faz quando transferimos a ele a responsabilidade de cuidar de nosso jardim. Enquanto escrevo, consigo ouvir bem de longe berros dos deuses do Olimpo sobre tal blasfêmia a uma verdade grega absoluta.

Se me permitem prosseguir, tenho mais uma afronta a fazer. E dessa vez, um pouco mais aguda, pois é destinada a Aristóteles. Para um dos maiores filósofos gregos, o verdadeiro amor representa a conexão única entre duas pessoas. Até esse ponto, não há nenhuma discordância. Porém, quando afirma que devido a isso, dois passam a ser um, chego a questionar a sua genialidade, pois segundo a matemática, a física e a biologia, duas mentes, dois corpos e dois corações sempre serão dois. E assim seja.

Sei que vai parecer dor de cotovelo. Mas garanto, não é. Minha vida sentimental caminha muito bem, obrigado por se preocupar. De fato, não nego: o amor pode originar dor e rimas desnecessárias. Mas se o amor fosse realmente uma doença, qual seria a cura? Amar ainda mais. Quando o desencanto ocorrer – garanto que isso se passará com você muitas vezes na vida -  o melhor remédio é não desistir e seguir amando.

Trilhando no mesmo sentido, é possível aprender, do teu modo, a perdoar o outro e a ti mesmo, pois isso também é amar. A cada desentendimento, gosto de desenvolver uma percepção diferente das emoções ali envolvidas e busco uma forma de contornar as desavenças. No final, percebo o quanto isso é libertador por eliminar grande parte do peso da vida. E mais: aprendo que aquilo que inicialmente aparenta ser um defeito do outro, pode ser a sua melhor qualidade, e que as nossas frustrações não estão relacionadas com quem amamos.

Por isso, para disseminar o amor, acredito ser fundamental aplicá-lo em nós mesmos. Antes de compor uma bela história, é preciso entender que o amor que oferecemos a alguém é o mesmo que manteremos conosco: o amor próprio. Por isso pessoas altruístas dizem que ajudar é verdadeiramente melhor do que receber ajuda; a cada novo auxílio descobrem em si mesmas a ânsia em continuar ajudando. O mesmo acontece com o amor.

Quer dizer então que o amor pode curar certo mal, nos redimir e nos alforriar de qualquer preocupação? Quem diria. Se é que existe alguma resposta para todos os questionamentos existenciais, aqui está: nascemos para amar e ser amados e existimos simplesmente para amar. Aqui a palavra amor não foi repetida em vão. Veja: é ela quem dá sentido e propósito para as nossas vidas. Pergunte a tua mãe como era a vida dela antes de você e como a noção de amor mudou desde a tua chegada.

Mas pare exatamente aí, olhe para o horizonte e repense todas as tuas atitudes, porque construir expectativas devido ao amor incondicional de nossos pais não é uma boa forma de inventar o nosso. Também sugiro que não se guie por movimentos religiosos ou filosóficos, porque no princípio parecerão sensatos, mas não dirão quase nada acerca de como fazê-lo durar. Para te ajudar a inventá-lo: você vai perceber durante o processo que amar é mais habilidade do que entusiasmo.