Por um mundo com mais Alices

Não sei se me irrita mais a hipocrisia das pessoas ou a dos contos de fadas. Nossa infância é marcada por histórias que nos contavam de heroínas vítimas da crueza daqueles que as rodeavam. Então, com um olhar submisso, calavam-se e aguentavam as ofensas e as humilhações, confiantes de que um dia a situação poderia mudar, mas, caso não se alterasse, elas já estariam preparadas para suportar esse fado.

E a pergunta continua: por que heroínas? Por que eram fortes para se calar? Então, crescemos admirando a Bela Adormecida porque, embora tenha dormido cem anos, um príncipe a salva; também consideramos uma heroína a Branca de Neve, que ainda sendo expulsa de sua própria casa e tendo o coração quase arrancado, dispõe de um príncipe que a resgata. Com isso, doces infâncias são traídas, muitas adolescências acabam reprimidas com Ritalinas, bem como uma geração de adultos subservientes vai se formando. Tudo isso porque aprendemos a nos calar e esperar pelo príncipe encantado para nos tirar das amarras que a sociedade nos coloca. Quando deixamos de acreditar neles, ainda esperamos que alguma poção mágica possa ser encontrada na primeira mercearia da esquina.

De repente, nos deparamos com uma Alice. Ah! Essa não. Essa é inocente, coitada. Cai em um buraco e se perde no País das Maravilhas. Por que não a enxergar como ela realmente merece? Alice não é ingênua nem coitada. Ela cai no buraco que a salva do jugo da sociedade que obriga a todos nós a seguir estereótipos e comportamentos determinados como os ideais. Ao questionar o Coelho, dono sempre da verdade, por qual caminho deveria seguir, este lhe responde que para aqueles que não têm direção qualquer caminho serve. Não, seu Coelho! Alice sabia bem para onde queria ir, ela imaginou um lugar longe de pessoas donas da razão como você, de pessoas que pensam sempre ter a resposta para todas as dúvidas.

Pobres dos que duvidam! Pobres daqueles que ousam questionar regras e imposições! Pobres daqueles que se desviam dos caminhos determinados pela sociedade e cria os seus próprios. A estes tenho que lhes dizer que o príncipe não aparecerá, que a fada madrinha me parece estar em greve e que poções mágicas ainda não estão disponíveis nas prateleiras dos mercados!

Sendo assim, recomendo-lhes serem como Alice. Não aceitem as imposições. Cresçam quando lhes convier e se diminuam quando for necessário e conveniente. Alice se diminuiu quando precisou e cresceu no momento exato para alcançar a porta que desejava. Não podemos permitir que coelhos interrompam nossos sonhos nem que nos façam acreditar que somos néscios por desejar encontrar um caminho sui generis. É imperativo que busquemos sempre ser pessoas mais corajosas e curiosas como Alice, para encontrarmos “buracos” capazes de nos transformar em seres melhores, mais felizes, libertos das premissas sociais. Quero ser Alice, quero um mundo com mais Alices e menos coelhos tiranos.

Paula Perillo

Mestre em Educação: Currículo pela PUC-SP

Perillo
Enviado por Perillo em 07/09/2017
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