Os Dois Cães

Hoje, quando andava pela rua, percebi um cãozinho amuado, encostado na parede de um boteco de esquina, para cada um que passava, ele lançava um olhar de súplica, e não era raro ver alguns passarem e soltar exclamações do tipo "coitadinho", ou "que foi nene, perdeu a dona", essa última me chamou atenção, nene, realmente, era fácil de sentir compaixão por aquele cão, pois era de raça, pêlo bonito, uma cor acinzentada, um pouco crespa, e não demoraria muito para alguém levar-lhe para casa. Continuando a andar, alguns metros depois, percebi outro, encostado no meio fio, tinha o mesmo olhar do anterior, olhos grandes e castanhos, brilhavam com as lágrimas que boiavam por sua órbita, lembrando uma poça escura sob o reflexo da luz, mas esse brilho tinha um motivo sofrido, sua pata dianteira esquerda estava fraturada, parecia que algo tinha lhe passado por cima (provavelmente um carro), estava toda inchada, os dedos, ao invés de estarem juntos, estava abertos como uma estrela do mar, e a simples visão de sua pata já nos dava um veslumbre da dor, mas ninguém olhava, eu mesmo só lhe prestei atenção por causa do contraste com o cão anterior. Esse não tinha raça, ou melhor, era um vira-lata, pêlo escuro e curto, duro como uma escova de aço, em seu abdômen percebia-se suas costelas saltarem a pele, come se querendo fugir daquele corpo magro da fome. Apesar de sua condição visivelmente sofrida, o único sentimento que causava as pessoas era indiferença, só lhe notariam quando já sem força encontra-se seu fim, e o sol levanta-se a narina de todos sua presença pestilenta. Talvez se peguntem muitos porque estou eu aqui a falar de dois cachorros, apesar de acreditar que animais merecem muita atenção, mais até que muito marmanjo que conheço, o que me fez parar para refletir foi um fenômeno social, que é tão comum, e praticamente todos guardam sua cota, que é a nossa superficialidade. Mostrei o exemplo dos cães, mas podia ser da moça eficiente que perde uma vaga de emprego para a beleza da outra candidata, pessoas interessantes que deixamos de conhecer, pois a um primeiro olhar não nos atraiu. Selecionamos muito pela aparência, é um assunto batido, mas pertinente, com um esteriótipo de perfeição vinda da tv, das passarelas, as pessoas enchem consultórios de cirurgiões plásticos, se endividam até o pescoço, para fazer pose em um carro melhor, e por aí vai. Não sei até que ponto isso é nocivo, e até onde este tipo de seleção pode nos ajudar, mas sei que um grande sonho meu, era acordar um dia sem esses conceitos deturpados de ideal, e poder enxergar o que realmente importa em uma pessoa, provavelmente é um desejo que nunca vou ver realizar-se, com esses olhos comuns e suscetíveis a opinião pública que tenho, mas sei lá, quem sabe um dia eu tenha vontade (coragem), de levar aquele cão rejeitado para um veterinário.

maicon fran
Enviado por maicon fran em 17/08/2007
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