Mulher Nua

Ela não sabia qual era o dia. Perdeu-se nas minúcias do que nunca foi. Controlou seus nervos, sempre descontrolados. Ligou para mãe e chorou por horas no telefone. Tossiu um cigarro. Arrastou-se até o primeiro bar, desejou seu quarto. Pediu uma dose de vodka, olhou sem interesse para o cara ao lado. Tirou da bolsa um batom, dissuadiu-se de usá-lo. Pintar o rosto seria ultrajante, a vida não ensejava cores. Tomou um parco gole, engasgou a principio, insistiu e zerou o copo. Suas mãos firmaram, um leve rubor surgiu nas bochechas. A música falava de amores desfeitos. Um senhor um tanto rude apareceu de chofre e a cumprimentou, puxou assunto dizendo que era um escritor diferente, daqueles que leem as cores e pintam poesias. Ele se ofereceu para pagar a conta, ela não aceitou, pagou com seu cartão de crédito os R$ 7,00 da dose. Despediu-se educadamente do cara do balcão e de forma lacônica do escritor. No caminho para casa, eram duas quadras, sentiu-se desconfortável com o sutiã, arrancou-o desesperadamente, sentia-se sufocada com o vestido simples, porém bem acabado, próprio para noites com vento, rasgou-o. Sentiu-se liberta, mas o sapato, já muito rodado, a oprimia, tirou e o deixou encostado solitariamente em um latão comunitário. Sentiu-se uma deusa, um anjo, uma mulher seminua sem conotação sexual. Sobrava-lhe a calcinha, gasta, usada, com o elástico frouxo, corações de adorno, lacinho frontal, esta apertando-lhe o sexo, impondo-a a castidade. Tirou-a de forma lépida jogando-a no meio fio. Sua nudez era uma revolução dela mesma. Mulher por inteira. Entrou rapidamente em sua casa. Tomou um banho, se tocou. Escovou os dentes, tomou um comprimido qualquer e adormeceu leve, flutuante feito uma Virgem Maria. Acordou para o trabalho e deu início a sua nova vida. Eu cheio de dúvidas pintei-a de arco-íris e agora passo meus dias tentando ler suas cores.

Rodrigo Sanchez
Enviado por Rodrigo Sanchez em 11/09/2017
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