Reencontro
         com Drummond




     Estive, recentemente, no Rio de Janeiro. E como sempre faço, voltei ao calçadão de Copacabana. 
      Manhã de outono. Sentei-me num de seus quiosques, pedi um coco verde bem gelado, e me pus a acompanhar os cariocas, no seu arrojado cooper matinal.
     Para um nordestino, um coco muito caro. Nas praias de Salvador, ele custa a metade. Mas deixemos isso pra lá. Afinal, pedira um coco, não na praia da Pituba, mas no charmoso calçadão de Copacabana, a "princezinha do mar".
     Fazia um pouco de frio. Mas o tempo estava ótimo. O sol já permitia que muita gente batesse uma bolinha, na areia esbranquiçada da praia. Maré vazante.
      Pescadores retornavam do alto mar, com seus barcos cheios de peixes. Peixes de todos os tamanhos. Vi cavalas, vermelhos, robalos e outros que não sei o nome.
      Os barcos ancoravam nas proximidades do Forte do Exército, onde existe uma peixaria. 
      Dezenas de compradores os aguardavam: valia a pena lever para casa um peixinho fresco. Vi fregueses examinando, com cuidado, os olhos e as guerras do seu pescado preferido. 
     O vaivém dos "atletas" tornava-se cada vez mais intenso. Gente da melhor idade, em longas e estafantes caminhadas, buscava tornar mais saudável os dias que ainda lhe restam. Invejei-os. 
      Ando pouco. Sempre sob o descarado argumento de que já andei muito na vida... Esqueço, que Salvador tem uma das orlas mais bonitas do mundo. E que por ela  anda-se sempre sob a proteção de Iemanjá!
     Paguei o coco, e saí pelo calçadão respirando o ar poluído da cidade grande. Não tinha importância: eu estava em Copacabana.
      Mais alguns passos, e me reencontrei com a estátua de Drummond, no mesmo banquinho, no Posto Seis. Aproximei-me, identifiquei-me, e falando no ouvido do poeta, recordei-lhe nosso último encontro, há menos de seis meses.
       Disse-lhe, meio encabulado, que até rabiscara uma singela crônica gabando-me do "papo" que, naquele oportunidade, havíamos travado.
       Passados uns dez ou quinze minutos, despedi-me da estátua, com um afetuoso abraço; e, mais uma vez, levando comigo a frase que está impressa no banquinho tosco no qual ela repousa: "No mar estava escrita uma cidade" - CDA.
     No quiosque seguinte, com cadeiras e mesas amarelas - gentileza de uma boa cerveja -, pedi um chope. Bebi-o, com exagerado prazer, sentindo o cheiro dos deliciosos tira-gostos do glorioso Alcazar...

           Drummond - 20 anos

      Rio de Janeiro - Botafogo - 17.8.1987

      Há 20 anos, morria de saudade, aos 84 anos, Carlos Drummond de Andrade. Saudade de Maria Julieta Drummond de Andrade, sua dileta filha, esplêndida cronista, que se fora doze dias antes, ou seja, no dia 5.8.1987, deixando o poeta inconsolável.
      Dizem seus amigos  - poucos e bem escolhidos -,   que ao saber da morte da filha, Drummond teria pedido ao seu cardiologista que lhe receitasse um "infarto fulminante".
     Mario Quintana deixou o "Caderno H", com centenas de frases que atestam sua genialidade no modo de ver e sentir o mundo, as coisas, e fatos que fazem o Universo. 
       Por que também não se fazer um livro com as  frases de Drummomd, que refletem sua extraordinária  capacidade de observar nosso dia-a-dia?
     Como estas que, homenageando-o no aniversário de sua morte, selecionei, e deixo no meu site, para quem quiser. 
      1. Os espelhos não mentem.
      2. Acreditamos invariavelmente naquilo que nos contam como sendo incrível.
      3. O avarento perfeito economiza até a idéia de dinheiro, evitando falar nele.
      4. O povo não costuma perder a paciência, porque ela é seu único bem.
      5. O mar tem a magnificência, a crueldade  e a indiferença dos imperadores da Antiguidade.
      6. Não é propriamente o mar que é imenso, mas a nossa insignificância diante dele.
      7. Como não sei nadar, o mar para mim não tem o menor sentido. ( Obs. Minas não tem mar)
      8. Liberdade de pensamento exige uma coisa rara, pensamento.
      9. Amar pela segunda vez o que foi nosso é tão surpreendente que constitui outra primeira vez.
    10. Nossa capacidade de amar é limitada, mas o amor infinito, este é o drama.
    11. Ó, burocratas!/ Que ódio vos tenho, e se fosse apenas ódio.../ É ainda o sentimento/ da vida que perdi sendo um dos vossos.
    12. É próprio da mulher o sorriso que não promete nada e permite tudo.
    13. Gioconda - O ardiloso sorriso/ alonga-se em silêncio/ para contemporâneos e pósteros/ ansiosos, em vão, por decifrá-lo./ Não há decifração. Há o sorriso.
    14. As mulheres são mais do que os homens, quando estes pensam ser mais do que elas.
    15. O mundo ainda não acabou de ser feito e já desaba.
    16. Até de seus arrependimentos a mulher extrai novo encanto.
    17. A cada pergunta respondida, o mundo fica menor e menos interessante.
    18. Em literatura, a inveja é o mais nobre dos sentimentos.
    19. Oh! sejamos pornográficos (docemente pornográficos).
    20. Bom dia, aeromoça! Não sei se devia dizer-lhe, antes: Bom céu! O dia é de todos, e desejá-lo bom não passa de um cumprimento. Já o céu é de vocês, de seus amigos aeronautas, e dos pássaros, em condomínio.
     Ah! São, talvez, milhares de frases irônicas, sábias, inteligentes, perspicazes, prazerosas, atrevidas, ternas, indignadas, encantadoras, que nos deixou o poeta de E agora, José?
       Trabalho, claro, para um pesquisador que conheça bem a obra do vate de Itabira, e admire, sem restrições, o poeta e excepcional cronista Carlos Drummond de Andrade.



     

 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 17/08/2007
Reeditado em 17/10/2020
Código do texto: T611196
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