330 - REVER,AMAR E REZAR...



Voltar à cidade de Dom Silvério é, ainda, um desejo não realizado. Já faz sessenta anos que de lá saí, mas, as imagens estão vívidas em minha mente como se fosse ontem. O que dizer de uma cidade interiorana, de vida calma, com seu jeito acolhedor, clima agradável de cidade entre serras, casario antigo e com vocação para comércio de bens e serviços agropecuário. O que posso dizer é algo que vai além dos meus sentimentos.
Rever as cenas e o bucolismo de uma cidade cercada por fazendas e locais que marcaram para sempre a minha vida, talvez, o retorno, esteja sendo adiado pela percepção e medo de encontrar uma cidade bem diferente da imagem que trago nas minhas retinas.
São tantas as boas lembranças, que dá vontade de eternizar como se fosse um quadro pintado e guardado no fundo do baú das minhas reminiscências. Entretanto, eu sei que seria totalmente impossível além, de negar à luz de novas tecnologias e perspectivas, imobilizar o progresso de uma cidade. Penso mesmo que seria egoísmo, deixar fora uma cidade, por mais que se ame e queira proteger as imagens dos meus sonhos. Ah! Mas, agora eu entendo mais que nunca o poeta Drummond quando disse que a sua cidade era um retrato na parede. Sim, aquela cidade que ele guardava na melhor parte das suas lembranças...
Amar Dom Silvério e sua gente evoca sempre sensações tão deliciosas quanto suas prendas de forno e fogão que eram vendidas, leiloadas e sorteadas nas barracas nas festas da padroeira da cidade. Lembro-me bem, das delícias do Pão de queijo, o biscoito de polvilho as broas de fubá, a panhoca (pão de milho), os licores, o sorvete de frutas a excelente goiabada de corte embalada em papel manteiga ou em caixotinhos de madeira, o doce de leite e a goiabada, que eu me lembre, eram produzidos na fazenda do Sr. Nelo, (acho que o nome era Nélio Cotta).
Lembro-me ainda, dos produtos da Grijó e da Saudense, duas fábricas de derivados do leite, ali, assentados na praça o Hotel Cordeiro e o Cinema do Fuad Nascif as lojas de tecidos na Praça da Cidade, os armazéns com suas máquinas de limpar arroz e café, a Escola Municipal Nossa Senhora da Saúde, com seus alunos uma meninada alegre e descontraída, sem preocupação e compromisso com o futuro que nos parecia tão longínquo quanto uma viagem até a capital mineira.
Sim, eu me lembro, em cenas revividas, o gado no pasto nas encostas dos morros com seu andar lento como se a única preocupação fosse aguardar a ordenha da tarde para que cada rês cumprisse com sua cota diária de leite. Ali e acolá um touro bravio corre mugindo ao longo da cerca de arame farpado que o aparta das vacas, berrando e mugindo todo seu descontentamento. Passar sempre longe destes personagens e protegidos por uma reza forte, invocando a guarida de São Bento:
São Bento da água benta;
Jesus Cristo no Altar;
Afastai bichos bravos e peçonhentos;
Deixai o filho de Jesus passar.


Lembro-me também dos Mulungus floridos nas cercas vivas, que dividiam os enormes quintais e pomares fazendo um contraste com o verde das bananeiras e outras frutíferas. E por falar em cerca e reza forte e protetora as missas, novenas e procissões eram um capítulo à parte.
Comemorar a Semana Santa e a festa da Padroeira era um programa imperdível; oportunidade para uma roupa nova e lembranças que durariam toda a vida. No átrio da igreja matriz as barraquinhas enfeitadas com bandeirolas de papel colorido, recheadas de guloseimas, jogos e brincadeiras anunciadas no serviço de alto falante, eram como cenas retratadas nas pinturas de um artista, cujo nome não me lembro mais, mas sim, dos quadros que eram vistos nas paredes das residências dos fazendeiros, comerciantes e médicos da região.
Rezar nas capelas das fazendas e nas igrejas da cidade trazia sempre a sensação do dever cumprido para com Deus e os homens, embora o pecado continuasse a martelar as mentes e as intenções de homens e mulheres, como sempre lembrados nas homilias do pároco local. A fala do padre ressoava nos ouvidos como os badalos dos sinos ao anunciar a hora do Ângelus, fazia um contraponto com os galos índios criados nos quintais das moradias cantando nas horas marcadas com precisão de observar a natureza, também as Siriemas topetudas com seus cantos estridentes, pareciam estar desafiando quem melhor se fazia ouvir. Calava mais fundo a voz do padre.
Hoje, voando como um drone nos meus sonhos e lembranças vejo que o rio de muitas águas, o Piracicaba, segue em direção ao mar, sem se importar qual destino seguirão os homens com seus planos de desenvolvimento. Aliás, também o galo não para de cantar, nem o gado a mugir e a ruminar, bem como os homens a amar orar e viajar nos seus sonhos e a tropeçar na realidade. A própria vida é uma viagem...
Lembranças armazenadas:
1 - Matriz Nossa Senhora da Saúde
2 - Hotel Cordeiro
3 - Bar do Matheus
4 - Oficina do Quincas Ferreiro
5 - Armazém Teixeira
6 - Laticínios Grijó e Saudense
7 – Barbearia do pai do Jarbas (colega de escola)
8 - Morro do Cipio.
9 - Rua do Catinga, ou será, bairro
10 - Cemitério da Cidade
11 - Delegacia do Nicão
12 - O corte da Estrada de ferro
13 - Prof.ª Maria de Marilac Cotta
14 - Diretora Escolar Glória Villa Mea
15 - As vizinhas Totó e Dedete
16 - As vizinhas Maria do Carmo, Maria Eterna e suas irmãs, outras três Marias.
17 - Sr. Davi (alfaiate).
18 - A Usina hidroelétrica
19 - Local denominado Zé Macaco (nossa primeira moradia)
20 – Mobiliadora Irmãos Coura.

claudionor.c.pinheiro@gmail.com




COMENTÁRIOS:

Parabéns, meu amigo! Adorei poder ler esta sua nova crônica, que tem muito a ver com o que todos nós temos guardado em nossas mentes a respeito do saudável passado, agora já tão distante.
Obrigado, e um forte abraço,

Agnaldo Costa
 
CLAUDIONOR PINHEIRO
Enviado por CLAUDIONOR PINHEIRO em 19/09/2017
Reeditado em 28/11/2017
Código do texto: T6118917
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