ENCONTRO ENTRE CRUZ E SOUSA, FLANKLIN CASCAES E ZININHO

Numa manhã primaveril e ensolarada de 2017, eis que se encontram no vão central do mercado público três ilustres artistas autênticos manezinhos para um saudosista bate papo.

- Meu ilustre e nobre colega das letras, velho bruxo. Como tens passado? Sentindo saudades da terra? “Livre! Bem livre para andar mais puro, mais junto à Natureza e mais seguro do seu amor a esta cidade”? Este sol maravilhoso nos convida a uma caminhada pela cidade sentindo o calor das pessoas, o aroma do mar, as gaivotas a flutuarem em pleno ar.

- Meu caro Cisne negro, eu tenho passado bem, quer dizer, mais ou menos. Depois de tanto tempo afastado desta cidade, vejo as mudanças que nossa Desterro vem sofrendo nos últimos tempos. Dá-me certa angústia e tristeza em ver que muitas pessoas desconhecem sua própria história. Não conhecem a história do boitatá, outras chegam ao cúmulo de dizerem que não existe bruxa neste lugar. Que a ilha é de Jesus e não das bruxas, que heresia. Fico a pensar se valeu a pena toda a pesquisa por mim empreendida acerca de nossa cultura popular. Não duvido se daqui algum tempo chegue um forasteiro, como tantos outros que por aqui aportaram e diga nunca ter existido bruxa, boitatás em nossa Desterro. Convencer nosso povo que estas histórias foram invenções de um velho louco, desatinado. Penso: dar-me-ia um colapso.

- Não te preocupe velho bruxo, teu nome está nos anais da história. Estes forasteiros que por aqui aparecem pensam entenderem de cultura, no entanto só conhecem no discurso. Se sentarmos com alguns destes e conversarmos veremos que aos mesmos faltam argumentos, experiências, praticidades. “Oh! Que doce tristeza e que ternura no olhar ansioso, aflito dos que morrem que penetram nesta noite escura”. Controle tua ansiedade velho bruxo, fogo de palha, assim como aparecem, na noite escura eles desaparecem, tal qual uma folha que cai ao chão, pelo vento é levada para destinos incertos.

- Tens razão caro Cisne negro. Não devo me preocupar com as mazelas dos outros. A nossa Desterro e nosso trabalho está acima de qualquer perturbação que venha se apresentar. Olha lá quem está chegando. Se não é o grande poeta Zininho com seu violão no braço.

- Zininho? Não me lembro dele.

- Não te preocupe já vou te apresentar. Mas tenho certeza que ele te conhece bastante.

- Bom dia caro Zininho, também sentiu saudades da terrinha? Quero te apresentar uma pessoa, com certeza tu já o conheces. Este é o nobre colega Cisne negro e este é o Zininho.

- “Um pedacinho de terra perdido no mar. Num pedacinho de terra beleza sem par”... Prazer, eu sou o Zininho, poeta, cantor, boêmio e sambista. Salve nossa Desterro.

- Prazer, eu sou o Cisne negro, poeta nascido aqui na Desterro o qual tenho muito carinho por esta cidade, apesar das significativas mudanças que sofreu esta cidade com o passar do tempo. Desculpe mas não me lembro de tua pessoa. Já nos encontramos em algum lugar?

- Eu já te conheço algum tempo, no entanto nossos encontros foram através de leituras. Quero te parabenizar pelas obras que criastes, são fantásticas. “Ó radiante orientalista do firmamento! Supremo artista grego das formas indeléveis e prefulgentes da luz”. Estavas inspirado neste dia que produziste este poema, uma verdadeira oração.

- Oração ao sol, estava muito inspirado, como qualquer trabalho que o poeta produz. Sabe bem, o poeta escreve emoções, sentimentos, que vem de sua alma e as transcreve em palavras, frases, canções. “E as vozes sobem claras, cantantes, luminosas como astros”. Caro velho bruxo ainda continuas a pesquisar acerca do nosso folclore, nossa rica cultura popular?

- Ainda faço uma pesquisa aqui, outra acolá, mas não é a mesma coisa como de outros tempos. Nossa Ilha tornou-se uma grande metrópole, seu interior está abarrotado de casas, prédios, comércio. Os carros de boi desapareceram, os folguedos de ontem deram lugar à televisão, essa coisa de internet. Em cada esquina tem pessoas grudadas nestes aparelhinhos teclando aqui, teclando lá. Não vejo mais grupos de pessoas conversando animadamente, sorrindo, tomando um cafezinho. É só pregado naquele aparelhinho, que antigamente não existia. Bons tempos era aquele que as pessoas se encontravam no senadinho para tomar um cafezinho, trocar olhares com as moças que por ali passavam. Boas serenatas no velho Miramar. Não é mesmo Zininho?

- É tempo bom era aquele. Inclusive fiz uma reclamação ao prefeito. “Digníssimo senhor prefeito mui respeitosamente estamos diante de Vossa Excelência para pedir humildemente Senhor prefeito. Por favor, mande recuperar o nosso velho e querido Miramar”.

- E foram atendidos?

- Que nada Cisne negro. O pior aconteceu. Derrubaram o velho Miramar, afastaram a cidade do mar e tiveram a ousadia de construir umas pilastras como forma de lembrar nosso velho Miramar, que sacrilégio. Ainda não estou convencido desta atitude bisonha de nossos governantes.

- Eu também estou muito triste com esses pecados cometidos pelas autoridades. Vez em quando consulto uma bruxa ou outra, minhas amigas, sobre o que está acontecendo com nossa Desterro. Elas não encontram uma explicação convincente, pois também se sentem decepcionadas e preocupadas com tudo isto. Segundo me falaram estão pensando em reunir o pessoal de novo no salão de festas de Itaguaçu para uma assembleia geral e irrestrita, claro sem a presença do chifrudo, deste, elas querem distancia. Pensam o que fazerem a respeito destas heresias que estão acontecendo em nossa cidade.

- “Ó Formas alvas, brancas. Formas claras de luares, de neves, de neblinas. Ó Formas vagas, tinidas, cristalinas... Incensos dos turíbulos das aras...” Eu também fui incompreendido por meus pares, criticavam meu jeito simbolista de escrever e mais um atenuante: a cor de minha pele. Recusaram-me um emprego de promotor na nossa histórica Laguna, pois aquela sociedade não aceitava homens de cor, vejam só. Lutei muito pela abolição, é verdade, mesmo assim fui acusado por ser indiferente a causa abolicionista, entendam essa gente. “Oh! Que doce tristeza e que ternura no olhar ansioso, aflito dos que morrem... De que âncoras profundas se socorrem os que penetram nesta noite escura”!

-“Jamais a natureza reuniu tanta beleza, jamais algum poeta teve tanto pra cantar” nesta terra abençoada, idolatrada. Quando a moça faceira, dengosa, vaidosa vem no mar se espelhar é sinal de alegria, festa das bruxas e boitatás. Os moços convidados a bailar na noite de luar pras bandas de Itacurubi, Itaguaçu, Ribeirão, em um clarão. Vamos tomar uma cerveja para espantar esta tristeza.

- Zininho dedilhe seu violão. Tens alguma novidade para nós? Outro sambinha novo na cartola?

- Que nada velho bruxo. Ultimamente ando sem inspiração, porém vez ou outra me encontro com Aldirio, Ziguelli, a Neide e sai uma roda de samba das boas, como nos velhos tempos do Miramar, do Poema bar e Bar Príncipe. “Ai que saudade eu vou sentir a vida inteira, do velho Largo Treze de Maio que hoje é a Praça da bandeira”.

- Deixamos de saudosismos e vamos fazer uma roda de samba como despedida deste inusitado encontro. Zininho afina teu violão que está chegando mais uma cerveja na mesa. Caro Cisne negro junte-se a nós e vamos cantar:

Um pedacinho de terra, perdido no mar! (...) Jamais a natureza reuniu tanta beleza (...)

Tua Lagoa formosa ternura de rosa (...) sestrosa, dengosa vem se espelhar...

Valmir Vilmar de Sousa (Veve) 14/09/17

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valmir de sousa
Enviado por valmir de sousa em 20/09/2017
Reeditado em 20/09/2017
Código do texto: T6120246
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