MATANDO UM LEÃO POR DIA

O início da semana era sempre marcado com esforços enormes. Dizia o compadre Marcílio: “matamos um leão por dia e o importante não é matar o leão, mas, sim, ouvir as gargalhadas da hiena.” Marcilio era o engenheiro responsável pelas obras do município, que no dia a dia elaborava planilhas e memoriais para atender a demanda de convênios pactuados com a esfera estadual e federal. Esperteza era o que não faltava ao compadre Marcílio que especialmente neste dia cuidava em atender Vicente, fiscal do governo, que havia chegado à cidade no dia anterior para fiscalizar obra em um Distrito da cidade. Certo era que nestes momentos de "lava jato" propina não se podia sequer mencionar, pois, que em cada caneta , prancheta e afins poderia haver câmera escondida (não que fosse o costume) . Melhor então, atinar para outros meios, já que a obra a ser fiscalizada, por motivo de força maior, havia pela metade o que acarretaria multa e bloqueio do Fundo de Participação do Município.

Às dez horas sai Marcílio e Vicente, que aparentava ter uns quarenta e poucos anos, rapaz franzino, com grandes óculos e lentes grossas denunciando dificuldade grande de visão. Dirigiram se a obra que se tratava de um poço artesiano que deveria estar pronto para fiscalização e começo das atividades. Marcilio não menciona uma palavra durante o percurso, concentrado em arranjar uma solução para justificar o injustificável. Adentram o bairro e Marcilio avisa a Vicente que o resto do percurso haveriam de fazer caminhando, visto que o mencionado poço se localizava num local de difícil acesso cheio de arvores nativas, enfim mata cerrada.

Momentos depois do começo da caminhada, Vicente é alertado por Marcílio: - “melhor usar um cajado para ir apalpando o capim da serra íngreme, por sua visão deficitária e a grande incidência de cascavel existente no local. Não que você não vá enxergar as cascavéis de mais de metro, mas precaução nunca é demais, afirma Marcílio. Vicente, moço de capital, não estava acostumado a percorrer mata cerrada e as palavras de Marcílio lhe fazem arrepiado só de imaginar as cobras escondidas por entre o capim seco do local. Caminham mais alguns metros mata acima no que Marcilio com um aparelho de GPS na mão entrega a Vicente, lhe indica o local do poço e anuncia: Daqui para frente até o poço você vai sozinho. Vicente agoniado lhe pergunta: “-Como assim”? Por quê?”.

- Sabe! È que neste local capturaram uma onça pintada há alguns dias e, não quero ser devorado por uma, pois elas nunca andam sozinhas, sempre há o macho que anda junto.

Vicente apavorado afirma:- Considere a obra visitada e fiscalizada. Voltamos daqui.

Obra visitada e fiscalizada, papéis assinados, leão morto e o sorriso estridente das hienas.

Mariana Quintanilha
Enviado por Mariana Quintanilha em 27/09/2017
Reeditado em 27/09/2017
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