Para a Lápide

O que está escrito não é o que quer dizer. Quantos anos vocês me deram respostas às perguntas que nunca fiz?

Hoje me sinto como um espelho que te afasta e te aproxima, brincando no reflexo da minha passividade; uma garrafa de vinho ímpar que ela abriu e não bebeu, azedo no chão do quarto.

Eles não conseguem mais pensar no que importa, também já não me importo: daqui até o fim será esse caminhar por entre as nuvens sem saber dos pés no chão, a horrível dor que causa esse descompasso do pulso, das horas, das lágrimas que sublimaram feito éter. Quem tentou me avisar?

Mas ouvi tanta coisa e vi tanta gente... Viajei meu país, revirei meus bolsos e memórias e não havia mais nada. Ela se suicidou, disseram-me, mas ainda limpa a casa e escova os dentes, recebe os amigos e sorri. Com uma bala na cabeça olha o relógio, reza para o ponteiro das horas fugir.

Enquanto isso, eu sou a pólvora queimando no peito de todos eles; porque um dia acordei e meu cenário estava em branco, não havia mais atrás ou à frente, tudo que resta agora é o vazio que me deglute. Branco.

Por onde ele anda? O que será que está fazendo, adoro tanto ele... Saudades, eles ruminam, com suas cores primárias que se dissolvem por aqui. Então ninguém chega e não posso sair. Ela morreu, e agora anda de quatro catando migalhas do presente – onde estou?

Não tenho esse calibre de coragem, gozo podendo morrer minuto a minuto. A cada dia devoro um pedaço de mim mesmo, mas não tenho mais fome, não há água que me faça engolir essa carne salgada. O que estou fazendo? Palavras inúteis no meu mundo desprezível... Desprezível como meu ser, tão mentiroso quanto teus sonhos.

Agora, quando acabar, acabou. Os olhos deles me transpassam como se olhassem a si próprios, como se eu não fosse mais uno. Que sombra horrível que sou, nesse branco fustigante sem... Não posso mais com as palavras, com meus erros. Vocês me falam de conseqüências, eu digo – que se foda.

Escreva isso na minha lápide: que se foda.