VAMOS PEDIR PIEDADE

Viver está chato. Viver é cansativo e maçante. A cólera assola o mundo. O germe que nos contamina é o ódio. O ódio é uma drag queen que no período de tempo em que há claridade é machista e preconceituosa, mas que na ausência da luz do sol traveste-se para lutar à favor dos ofendidos utilizando-se do politicamente correto para justificar a propagação da ira apenas pelo fato de as pessoas emitirem opiniões contrárias às suas.

Sim, opiniões, pois não defendo em nenhuma circunstância anedotas de caráter insultuoso. Você há de convir que quando pequenos, todos fomos motivos de chacota por não cumprir certos padrões. Se você era menino, mas preferia estar rodeado de meninas, era motivo de chacota pelos outros meninos. Hoje esses mesmos meninos são homens crescidos que continuam fazendo uso de gírias pejorativas para ofender um amigo em quem possam identificar atitudes que estariam atreladas ao universo feminino.

Eu sempre me empenhei para não ser um desses caras. Notei que cresci no mesmo mundo deles em que ofender e diminuir alguém por alguma característica física ou comportamental “diferente” desperta a falsa sensação de superioridade, mas não cedi. Outra coisa que nunca entendi foi intitularem o cabelo crespo de “ruim”. Nessa vida, me foi concedido o cabelo liso. E esse não é privilégio algum, mas muitos nem imaginam que na maioria dos meus dias ruins, o meu cabelo imita o meu humor.

O exercício de zelar por nossas atitudes e pelas palavras que proferimos é delicado e laborioso. Não estamos habituados a transcender paradigmas diariamente, nem a lidar com que nos é diferente da mesma forma com que lidamos com o que nos parece ser normal. Por isso, justifica-se tanto na atualidade a presença recorrente no cenário político de movimentos feministas, discursos de ativismo LGBT e defensores das causas anti-racismo.

O mais novo caso que traz a tona uma dessas discussões é a exposição “Queermuseu” instalada no Santander Cultural, em Porto Alegre. Nesse mesmo instante, enquanto escrevo, venho a descobrir que essa mostra será exibida no Rio de Janeiro, o que infelizmente reforça mais uma vez a hipótese de que o local escolhido inicialmente para sedia-la pode ter sido um dos fatores determinantes para legitimar o encerramento prematuro.

Por um lado, o ocorrido é visto como uma blasfêmia à Arte cujo propósito maior é propiciar prazer. A oportunidade de reconhecer a capacidade humana em sentir, pensar, interpretar e recriar o mundo com sensibilidade e criatividade foi contraditada. Por outro lado, há quem defenda que algumas obras presentes no acervo da exposição são insultos às suas crenças em símbolos religiosos e em imagens ligadas à crianças e animais.

Chato é isso. Não se pode fazer uso do direito de liberdade de expressão com o intuito de propiciar debates sobre temas contemporâneos em novas e diferentes abordagens, pois isso é desrespeitar o outro. Mas afinal, quem é o outro? Em um mundo marcado pela marcha das minorias oprimidas e pelo parâmetro do homem caucasiano heterossexual cristão, é algo difícil de se pontuar. E nem me venha pedir para especificar quem é de esquerda ou direita, pois eu só estou aqui no meio dessa confusão toda. Perdido. Completamente perdido.

Algo que não nos ajuda é assistir a um deputado federal - que nos representa na câmara, mas que também representa os interesses de uma minoria - proclamar que todos os cidadãos encerrem suas contas no banco responsável pela exposição. Se o seu objetivo é falar em nome da tolerância, da igualdade, da diversidade, é preciso praticar isso. Da mesma forma, um movimento que cinicamente se intitula como Brasil Livre difunde um vídeo que demonstra a incapacidade de seus autores de refletir profundamente sobre as obras expostas, reafirmando que os preconceitos seguem vivos, atrás das aparências do politicamente correto.

Na construção e reconhecimento de uma nova identidade social se faz necessário despertar a polêmica saudável e o debate sobre questões do mundo atual, sem com isso ofender a quem quer que seja, direita ou esquerda. Não há lado para defender quando o imaginário comum é viver um dia de um único lado: o do bem, o do positivo. Enquanto pleiteamos isso, todas as orações são bem vindas. Há de se pedir piedade. Jesus Cristo, para quem é de fé. Cazuza, para quem é das Artes.