Crônica de um coração chuvoso

Eu realmente não sei se é por coincidência, nem sei também se a ciência se envolve, não há meteorologista de coração, no máximo um cardiologista gentil. Em Aracaju chove muito mais do que o normal, e o mais incrível é que o meu coração também ficou mais frio. Eu ligo a TV, dirijo até o trabalho, repito aquela música quatorze vezes, buscando qualquer retalho de rotina, ou um atalho pra fugir dessa sina estranha. Em dias de chuva eu fico meio saudosista, parece uma dor ingrata num peito masoquista, e eu me lembro de você, quando dou bom dia pro garçom da lanchonete que como toda manhã, ou quando penso que deveria falar mais pros meus filhos que eu os amo, e eu sinto muito a sua falta desde que você me deixou, mas nos dias de sol eu não me importo muito.

Eu olho pro céu predominantemente cinza, e eu o entendo, é monótono tanto lá fora, quanto aqui dentro, e o paralelo chega a ser engraçado. As pessoas me dizem que é só tolice, que a chuva é de Deus e mata a sede quando cai no sertão, e seguimos todos nessa discussão sem eu me expor, e ninguém mais entende o motivo. É como se me faltasse algo impreciso, um pedaço de um quebra-cabeça infinito, que eu não sei onde perdi, ou onde ele me deixou, só sei que tenho saudade de algo que não sei o que é, sinto falta do que passou, do que é passado, e que ficou na estrada, enquanto eu minto pra mim mesmo nesta crônica chata, pois é, eu sei muito bem do que sinto falta.

E nesta sinestesia chuvosa, eu me vejo tão distante, me vejo errante por sentir sua falta, do jeito alegre que você tinha, de tudo que já não é mais, e da vida que não é mais minha, pois sim, sinto muito essa falta que me rui, sinto falta do que eu era, do que eu fui, por fim, sinto falta do que se foi, e a falta que eu sinto é de mim.

Gabriel cz
Enviado por Gabriel cz em 02/10/2017
Código do texto: T6130583
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