O tudo bem não serve pra nada

- Oi, tudo bem?

- Tudo.

“Mas não estava tudo bem”, diria o narrador caso presenciasse a cena das nossas ficções diárias. Não posso culpá-lo. Nem a ele e nem às pessoas. Culpo a mim mesmo por me pegar pensando a respeito de como o “tudo bem” diz tanto ao mesmo tempo que diz nada. Eu imagino que tenho essa coisa com a linguagem, quero que ela faça sentido sempre que possível. O papel camaleão do “tudo bem” é um desses em que as significações saíram de controle.

Todos sabemos: o “tudo bem” é um cimento social, assim como tradições, culturas, gastronomias etc. Ele representa a primeira camada de gelo que se quebra quando se quer/necessita iniciar uma conversa (prova-se o caráter social). Por vezes, não se sabe ou não se tem o que dizer, e com isso, o “tudo bem” serve em qualquer ocasião, mesmo que depois dele as pessoas envolvidas na conversa não tenham mais o que dizer. Ou então, quando se entra num elevador e, por mera educação, pergunta-se se está tudo bem àquela pessoa que dividirá o mesmo metro cúbico durante um trajeto de poucos segundos – e a conversa morre ali mesmo, não tem mais necessidade dela.

Você mostrou que tem educação e quer, mentirosamente, saber se a outra pessoa está bem e ela te responde, dizendo que sim, sem qualquer traço de sinceridade, provando que ela também tem um mínimo de educação. Em outras palavras, o “tudo bem” é o aperto de mão sem as mãos, duas ou mais pessoas mostram-se umas às outras que não existe motivo para conflito entre elas (posto que o aperto de mão era da época das cavalarias em que um mostrava ao outro que estava desarmado etc).

Mas eu tenho essa coisa com a linguagem, e em especial, com questões ligadas a cimentos sociais. A exemplo de cumprimentar amigas com um beijo no rosto (linguagem corporal, que seja), para tantos é um comportamento normal que eu ainda hoje, por vezes, considero como invasivo, fico satisfeito com um “oi” e aceno de mão à distância. Sem “tudo bem”, desnecessário. Porém, esse é o meu jeito de enxergar, não é todo mundo que compartilha de igual ponto de vista, a exemplo de tomar como falta de educação o esquecimento de um “tudo bem”. Não fazemos por mal.

E então, em casos com pessoas um tanto próximas em que posso ser sincero, se me perguntam um “tudo bem” eu consigo responder “bom, na verdade, não”. Esta não é uma resposta com que as pessoas estão acostumadas. Na verdade, aqueles que perguntam apenas por educação não querem saber se está tudo bem com você – e por isso ficam aborrecidas se alguém se dá a sinceridade de quebrar o cimento social, de ter um pouco de humanidade e querer dividir com o interlocutor as amarguras que a vida tem lhe pregado (cada um sofre de um jeito, uns mais, outros menos). Até porque, o outro também tem lá os problemas dele, e não se encontra na possibilidade de dividi-los – nem quer, nem tem coragem. Ou não vê necessidade.

Escondemos nossos sentimentos por detrás da máscara cotidiana do “tudo bem”, tudo para não causar desequilíbrio no cimento social e, com isso, a vida de todo mundo se encerra cada vez mais resguardada enquanto fingimos que estamos todos bem.

É bem óbvio, não dá pra se abrir com um desconhecido. E nem com conhecidos, que ainda não foram alçados ao cargo de “amigo e/ou pessoa minimamente íntima para quem eu posso perfilar as minhas neuras”. Até porque, nos breves segundos de uma corrida de elevador, não caberia uma consulta na psique do indivíduo com sabe-se lá quem do outro lado ouvindo do jeito que achar melhor algo que é muito próprio de quem está falando.

Bom, não tem mesmo muito a ser feito.

Mas tudo bem.

GaP
Enviado por GaP em 08/10/2017
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