Nos bares da vida

Recentemente um jornalista mineiro, sem ter um assunto mais importante a retratar, resolveu publicar uma matéria relatando que Belo Horizonte, capital de Minas Gerais é a cidade com o maior número de bares do mundo. Para começo de conversa, quem reside em Belo Horizonte sabe desse fato desde que nasceu, não há novidade nenhuma nisso. O que me chamou a atenção num dos tópicos da matéria foi a informação que existem 2 bares para cada habitante da cidade. Fiz então um cálculo, de certa forma profano tomando por base as seguintes informações: A população de Belo Horizonte é de 2.375.131 habitantes, portanto existem 4.750.262 bares. Um número a meu ver um pouco exagerado, mas quem sou eu para duvidar de um jornalista que deve ter gasto seu precioso tempo para chegar a tal conclusão.

Existem mais bares do que igrejas sejam elas de qual for a linha religiosa, mais farmácias ou drogarias, escolas ou qualquer outros segmentos comerciais conhecidos. Talvez este jornalista tenha mesmo razão em sua pesquisa. Somente no bairro onde resido, um bairro populoso subdividido em classes sócias distintas, funcionam a pleno vapor mais de 50 bares espalhados em pontos estratégicos da região. Bares mais elaborados com preços mais caros freqüentados por uma elite mais abastada, nas avenidas principais mais conhecidos como bares da moda freqüentados pela classe média chamados de barzinhos, os que se encontram nas ruas e esquinas mais conhecidos como botecos e nas regiões de pessoas menos abastadas os famosos botequins também conhecidos como Biroscas. Alguns com nomes bem criativos e atrativos como: Bar do Careca, Papo Legal, Lobos Grill, Toca do Lobo, Rosa dos ventos etc. Outros, porém com nomes no mínimo pitorescos: Bar da Loira doida, Bar céu pequeno, Boteco do Capeta: nesse eu nunca entrei, vai que o encontro pessoalmente; prefiro não arriscar. Bar do Pato Rouco, Bar três irmãos, mas não sei o porquê do nome já que são apenas dois sócios, Bar portas abertas, se a porta estivesse fechada ninguém entraria, Bar do Mulambo, Bar do Zé Meleca que por sinal prepara o melhor peito de frango grelhado com um tempero que ele não revela nem mesmo sob tortura que já comi, Barba do Barba azul, Bar do Bin Laden que tem como especialidade uma bebida batizada com o nome de bomba atômica que levanta até um defunto, e outros simplesmente sem placa e sem nome. O Sujeito aluga uma loja, coloca um Freezer, enche de cerveja, coloca umas garrafas de bebidas de dose, jura por todos os santos que a sua cachaça é das boas, mesmo ela na sendo, mete uma pequena churrasqueira a base de carvão com espetinhos de carne sabe-se lá de qual animal é, e espantosamente de uma hora para outra se amontoa um bando de gente bebendo em pé mesmo, jogando purrinha valendo cerveja ou jogando jogos de cartas. Eu como sou um bom apreciador de uma cervejinha estupidamente gelada e um bom tira gosto vou a todos de forma esporádica, alguns freqüento com mais assiduidade, mas os bares com preços mais caros me limito a ir muito de vez em quando já que a grana está meio escassa.

Não há uma lógica para a existência de um bar, boteco, botequim ou birosca, ou talvez haja e eu ainda não consegui descobrir e desvendá-la. Mas o fato é que é um fenômeno que toma proporções inimagináveis.

A culinária é fabulosa: Você vai a um bar e come uma carne de sol com mandioca regada á manteiga de garrafa, no outro um filé de fígado de boi com jiló e cebola cortada em rodelas feito na chapa quente, língua de boi cozida acebolada com salsinha e orégano, lingüiça defumada cortada em fatias acompanhada de vinagrete, no outro uma dobradinha com feijão branco e bacon com molho de pimenta á gosto servida numa panelinha de barro quente como uma fornalha, um espetinho assado na churrasqueira de carvão de medalhão de frango recheado com bacon ou carne de primeira acompanhado de farofa de milho caseiro, e se a fome for muita um prato de feijão tropeiro com couve, bacon, torresmo, lingüiça cortada em pequenos pedaços e um ovo frito com a gema mole que estoura no céu da boca quando ingerida. Se estiver fazendo frio uma dose de Conhaque com limão para esquentar o peito, se estiver gripado uma dose de Jurubeba com canela e cravo. Isso me faz lembrar de uma placa escrita á mão num pedaço de papelão no bar do Bin Laden com a seguinte frase: Gripe cura com limão, Jurubeba é pra Asia, do jeito que a coisa vai o Boteco do Bin Laden vira drogaria. Verdadeiros manjares com preços sob medida do seu bolso e isso tanto nos barzinhos, botecos quanto nas biroscas.

Nos barzinhos onde mais sou assíduo e encontro com mais freqüência meus amigos de muitos anos que conheci há pouco tempo atrás; nos bares não existem diferenças étnicas ou religiosas, as amizades antigas e eternas são feitas em questão de minutos, se abraçam e se congraçam pessoas que nunca se viram e se tornam seus amigos, confidentes e parceiros nem que dure apenas algumas horas; sempre há num canto qualquer um músico tocando seu violão com apenas um microfone as músicas mais populares brasileiras e o repertório é diverso. Músicas que te fazem lembrar de algum momento especial em sua vida, aquela mulher ou homem que te marcaram como tatuagem o coração e pessoas que você nunca mais viu e foram importantes na sua caminhada pela vida. Num dado momento o músico toca uma música da Elis Regina; aí acontece um fato inesperado e facilmente explicável, todos fazem silencio para ouvir a música da mulher com a voz mais linda e a maior cantora brasileira de todos os tempos. Não conheço ninguém que não ame Elis Regina.

O bar se assemelha a um templo religioso: se você tem pecados a confessar e está disposto a fazê-lo, a igreja está de portas abertas a recebê-lo e se você tem dinheiro para pagar sua conta, os bares também estão de portas abertas e o recebem da mesma forma. Como ouvi furtivamente certa vez uma citação do freqüentador de uma birosca próxima a minha casa e que me chamou a atenção foi: O bar é a igreja daqueles cujos pecados não podem ser confessados com um padre, apenas aos amigos podem ser revelados. Os bares são o divã dos confusos, o curral das ovelhas desgarradas, o refúgio dos problemas cotidianos, o ombro dos que choram as mágoas dos amores não correspondidos e as instituições psiquiátricas dos malucos.

Às vezes vamos embora mais cedo devido a compromissos no outro dia e por vezes ficamos até o dono do bar anunciar que está fechando e que no outro dia tem mais. Alguns reclamam porque não querem ir, outros pedem a saideira para fechar a noite, mas inevitavelmente somos obrigados a tomar de novo o rumo de nossas vidas, pois a noite também se encerra. Paramos na porta do bar baixando as portas e pensamos: Assim como o bar também é a nossa existência; só acaba quando se apagam as luzes.

Malagar
Enviado por Malagar em 10/10/2017
Código do texto: T6138547
Classificação de conteúdo: seguro