À casa do meu avô

Eu tenho saudade da casa do meu avô e dos meus brinquedos de menino pobre. Nunca pude esquecer da nossa velha cajazeira ao lado direito da nossa casa onde sempre eu brincava com o meu cavalo de pau feito pelo meu irmão Zacarias. Debaixo da nossa cajazeira, eu fazia um carrossel de madeira para eu rodar o dia inteiro e fazer raiva a tia Josefa. No alpendre enorme da nossa casa existiam muitos apetrechos de trabalho que pertenciam ao meu avô falecido em tempo remoto. Ao lado esquerdo da sala grande ficava o quarto onde o meu progenitor escrevia as suas cartas e os seus trabalhos de vereador e professor primário. Eu me lembro bastante da mesa pequena com duas gavetas superlotadas de livros e papéis de toda cor. A tia Marica tinha um ciúme danado daquela mesa que nos chamávamos a secretária do mestre Agostinho. Quando a tia Marica se descuidava eu estava a bulir nos alfarrábios do meu avô e sobretudo nos livros de cordéis. O Lunário Perpétuo era o livro que mais me fascinava pelas histórias galantes e maiormente por falar nos astros, nos montes e nas grandes terras do mundo inteiro. Eu quando queria saber de uma data ia logo ao Lunário Perpétuo e ali tirava por certo a minha dúvida. Eu tinha a liberdade de andar na casa toda menos no quarto do meu velho avô porque a titia tinha um ciúme imenso das coisas do seu genitor. O meu fito era a secretária do meu progenitor porque dentro dela estava o que mais eu amava que eram os livros de histórias e romances famosos. Certa vez eu encontrei o romance de madame Bovary de Gustav Flaubert e escondi para a tia Marica não brigar comigo. Quase no fundo da nossa casa havia um outro quarto que a gente chamava de despensa onde se guardavam os alimentos e outras coisas de pouca importância. A minha admiração era pelo quarto grande onde tinha de tudo, e mormente os bons livros e muitos dicionários do meu querido avô. Na entrada da casa que eu morava tinha duas arvores ingentes, o nosso tamarindo centenário e a velha cajazeira que dava duas safras durante o ano de bom inverno. A minha infância toda se passou debaixo dessas duas árvores enormes que sombreavam toda a nossa casa dando apoio também aos passarinhos que vinham beliscar os cajás maduros que serviam de alimento à meninada pobre da nossa Malhadinha antiga. O meu burro de sela era sempre amarrado debaixo do nosso tamarindo para quando eu quisesse andar tê-lo ao meu alcance. Foi assim a minha infância pobre mas divertida, tendo liberdade para tudo sem perturbar a ninguém.

Poeta Agostinho
Enviado por Poeta Agostinho em 10/10/2017
Reeditado em 11/10/2017
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