DE REPENTE 30

Ainda me restam alguns meses a cargo dos vinte e nove anos, porém próximo de completar três décadas de vida um pedido parece milagrosamente ter virado realidade: me tornei um adulto. Assim como no filme estrelado por Jennifer Garner, eu me recordo de maneira precisa das inúmeras vezes em que pedi fervorosamente para atingir a maioridade. No caso de Jenna Rink, personagem vivido pela atriz, o pedido tinha a intenção de salvá-la do declínio social. No meu caso, somente almejava obter a carteira de habilitação.

Sonho meu, sonho nosso. Ninguém chega a essa idade vivendo apenas da forma com que sempre sonhou. Trinta anos são muitos anos. E o imaginário social faz questão de enfatizá-los com uma série de objetivos sequenciais que supostamente deveriam ter sido alcançados. Casou-se? Não. Tens filhos? Tampouco. És o diretor da tua própria empresa? Não! Qual empresa? Onde fica localizado o teu imóvel? No caso, o dos meus pais, né?! Nunca girei o pião da casa própria.

Pensamentos comuns que muitos tiveram em suas trajetórias e que remetem a reflexões de que aos trinta anos, deveríamos estar mais bem preparados. Mas deixe-me contar as coisas que aprendi com a vida até agora e que não estão descritas em um checklist colado no refrigerador. Não importa em qual situação nos encontremos; a vida simplesmente não pára de criar armadilhas para nos fazer cair na rotina. Na verdade, a vida de ninguém pára por nossa causa. Um desentendimento se transforma em uma desavença pela simples falta de atitude.

Atitude necessária também para não perder o vôo, as malas ou o dinheiro para voltar pra casa. Mas ganha-se em uma maturidade que está mais ligada as experiências em que se teve a oportunidade de adquirir do que com a quantidade de velas que você soprou em todos os teus aniversários juntos. A celebração que se comemora não tem mais a ver com os presentes ganhos, mas em seguir em frente, mesmo quando já se pensava não ser mais capaz. Mas é. E como é.

E pra isso é preciso ter paciência. E não é pouca não. Paciência com os teus, aqueles que você venera, e que provavelmente em suas essências são pessoas boas, mas que ás vezes podem vir a machucá-lo, e que por isso, te compelem a desenvolver uma forma saudável de relevar alguns deslizes. Um exercício diário que requer muita prática. E prática mesmo requer a paciência com si próprio. Leva-se muito tempo para se tornar a pessoa melhor de que tanto se fala.

Nesse processo, não podem faltar amigos. A amizade se muda temporariamente e nos muda mesmo a distância. Por isso tem gente em Campinas, Brasília, América Latina e Boston que faz continuar crescendo aquele afago já tão existente dentro de nós em outros tempos. E só é assim, porque assim o permitimos ser. Há quem mude e se mude para bem mais perto, mas que não nos ama do jeito que julgamos merecer. Talvez seja da melhor maneira que se possa, mas não nos seja suficiente.

Porém, a descoberta mais dolorosa é perceber que por mais que você se importe, existem pessoas que simplesmente não se importam com nada. Pode ser festa surpresa, aparição relâmpago na madrugada, travessia do oceano Atlântico ou carona com desvio de rota. Com o tempo, você também aprende a desprezar a sua insignificância. É como no ditado “quem com ferro fere, com ferro será ferido”, mas muito provavelmente você já não estará mais lá para presenciar o ardor.

Por isso mesmo se faz mais necessário aprender a perdoar a si mesmo do que ser perdoado por alguém. A quantidade de erros que cometemos e que ainda iremos cometer, pelo resto de nossos dias, não nos permite permanecer paralisados em um único instante. Talvez só assim, aprendamos de fato, a não comparar os nossos erros com os de mais ninguém. Somos responsáveis por nós mesmos (e somente por nós mesmos) e pelo melhor (e o pior) que podemos fazer.

Apesar de notar que existe em mim muito mais dos meus pais do que eu mesmo supunha possuir, posso dizer que aos quase quarenta e cinco minutos do segundo tempo, defini meu placar: está formada a minha identidade. Na defesa: sensibilidade demais, mas sem mistérios. No ataque: olho no olho, mesmo para os indiscretos. No meio de campo: apesar da frieza da modernidade, guardo em mim as marcas que a vida fez. Se por acaso ousarem invadir a grande área com sentimentos automáticos, apresento-lhes o meu império: minha conduta.