A GENTE SOMOS INÚTEU!

Quem nunca sentou-se em um assento reservado para uso preferencial de gestantes, idosos, portadores de dificuldades de mobilidade física, pessoas acima do peso ou com crianças de colo, não sabe o que é viver fora da lei. Isso porque no Rio de Janeiro, existe uma lei sancionada que prevê multa de R$100,00 para quem desrespeitá-la. E se o valor mencionado for considerado baixo por você por conta da tua renda mensal ser inúmeras vezes maior que o valor da multa, há também apedrejamento em praça pública: a insistência no não cumprimento da norma pode acarretar expulsão do meio de transporte utilizado.

Por isso, se você não é mulher em período fértil ou não faz parte dos 14,3% da população de idosos ou dos 45 milhões de pessoas com deficiência no Brasil, trate de ganhar peso consideravelmente nos próximos dias - mesmo que isso comprometa a tua saúde - ou encontre uma forma de tomar por empréstimo o filho do teu vizinho mais íntimo a fim de garantir que o teu direito de sentar-se no transporte público estará garantido.

Em meu caso, portador de vitiligo há 7 anos, ainda não existe projeto de lei que beneficie minha predisposição genética em desencadear os sintomas da doença devido a algum estresse físico ou emocional sofrido em meu cotidiano. Imagine se houvesse. Digo, imagine se houver. Assumo: tiraria vantagem em diversas situações proibindo que qualquer indivíduo me tirasse do sério com a justificativa de minimizar qualquer trauma.

Sim, creio ser fundamental empenhar-se em reivindicar nossos direitos. A luta por igualdade nunca esteve tão em voga. Movimentos feministas, estudantis, de identificação sexual, entre outros, buscam igualar-se em direitos civis aos demais cidadãos. Porém, não vacilemos em erro. Quando hasteamos alguma bandeira, nos fazemos entender como defensores de uma única causa: a nossa. Sendo assim, o que será do resto de nós? Digo, de vocês, pois acabo de levantar a minha em prol dos portadores de vitiligo.

Quanto mais cientes nos tornamos de nossos direitos, mais cientes também devemos caminhar em direção as nossas responsabilidade enquanto cidadãos. Idosos exigem mais respeito com suas fragilidades físicas e emocionais, mas então por que fazem uso de seus privilégios em filas de bancos e outros estabelecimentos para privilegiar interesses de terceiros? Sim, terceiros, afinal de contas, até onde conseguimos compreender bem, filhos, netos e até bisnetos não são idosos, certo?

Eu e meu irmão fomos criados em uma época em que não existiam filas prioritárias para casais com crianças de colo. Devo dizer, sobrevivemos. Sim, estamos vivos. Entre empurrões e sacudidelas, nossos pais conseguiram nos criar dentro das melhores condições possíveis naquele período. Hoje, as lojas abarrotadas com carinhos de bebê abandonados nas filas preferenciais, contam com crianças percorrendo todos os departamentos enquanto seus pais fazem uso de um direito conquistado por bel-prazer. Quem paga o pato? Nós.

Deixemos de lado por alguns instantes as questões que envolvam padrões de beleza antes estabelecidos pela sociedade. Tenho consciência de que os assentos dos transportes públicos não estão devidamente adaptados para pessoas com excesso de depósitos de gordura, mas a obesidade é sobretudo uma ocorrência médica preocupante. Pode ocasionar doença coronariana, hipertensão e diabetes. Por isso, o assento mais correto nesses casos não é o do ônibus, e sim o do consultório médico.

Nesse contexto, entre tantas causas que ganham cada vez mais espaço nos meios de comunicação de massa, acabamos por desprezar aqueles de que mais necessitam de desvelo político. Mesmo com algumas adaptações recentes nos transportes públicos, de forma geral, os portadores de algum de tipo de dificuldade física enfrentam inconvenientes e contratempos quando transitam em cadeiras condutórias, por exemplo, pelas vias do país.

Em pleno século XXI, batalhamos por diminuir a porcentagem de analfabetos políticos sem com isso perceber que continuamos atropelando princípios básicos humanos. Sim, precisamos aprender a escolher o presidente. Sim, precisamos aprender a criar um filho, antes de fazer. Sim, precisamos aprender a botar mais trens em circulação do que trilhos. Mas primeiro, aprendamos a conjugar o verbo na primeira pessoa do plural. Depois, a concordar que singular não dá pra ser, e que plural são muitos. E haja “s”.