Sua doença era emocional

Como muitos de sua época, tirava o sustento da agricultura. Possuía uma pequena propriedade rural, levando assim uma vida de classe média, sendo muito feliz por não ter que trabalhar como escravo em terras alheias. Era judeu, ia sempre ao Templo para as principais festas, tais como as da Páscoa, da Dedicação e dos Tabernáculos e cumpria fielmente as ordenanças da lei.

Quantos, naquela época difícil, podiam ser como ele? Era grato a Deus por tudo que possuía, sobretudo por sua família. Tinha uma esposa a qual amava e filhos. Por isso não conseguia compreender por que tão grande mal havia vindo sobre sua vida.

Uma pequena mancha rósea aparecera no seu braço, algo que no início fora despercebida por ele. Em uma manhã comum de trabalho, foi alertado por um pouco de sangue em sua tanga de algodão, estranhou de ver a profundidade do corte e de não ter sentido dor nenhuma. Sabia o que aquilo significava, era judeu.

Lembrava-se diariamente do dia em que se apresentou ao Sacerdote. Este olhou a mancha rósea de seu braço e o colocou em isolamento por sete dias. Pediu que avisassem à sua família, pois tinha vindo direto apresentar-se ao sacerdote. Foram sete dias que pareceram uma eternidade. Sentia saudade dos filhos que vinham correndo lhe abraçar todas as tarde quando chegava em casa para almoçar. Havia esperança em seu coração de que tudo aquilo ia passar, não havia cometido pecados e Deus lhe será justo.

Seu coração, ao final dos sete dias estava quebrantado, sua situação só havia piorado, a mancha cobria agora todo o seu braço e o local estavam visivelmente mais profundos que o restante do mesmo. A saudade que sentia de sua família foi substituída por uma dor sem nome. Teria que viver eternamente separado daqueles a quem amava, pois o Sacerdote lhe havia declarado a tão odiada palavra: Imundo!

Ter que viver longe de quem amava era a pior de todas as sentenças, tinha sido sepultado vivo. Longe de sua tão amada terra, distante de sua família, seu coração era só amargura. Caminhou lentamente para o leste de Jerusalém, sabia que por ali, na encosta oriental do monte das oliveiras havia uma colônia chamada Betânia, um lugar para os leprosos. Como o sacerdote o havia orientado, tinha que evitar o oeste, procurando ficar sempre contra o vento, para não espalhar sua doença. Não podia mais viver em sociedade.

“Quando você vir alguém, antes que se aproxime grite bem alto: maldito!”. “Fique a uma distância de uns 15 metros em dias sem vento e as 60 metros em dias com vento de qualquer pessoa comum, e toque sempre o seu sino.” Essas palavras ditas pelo sacerdote ante de sair eram normas imperiosas, pois caso contrário seria morto através de apedrejamento. Sua situação piorava a cada dia e esperança é o que já não tinha mais.

Sua casa agora era uma fria caverna em Betânia, a uns 3 km a leste de Jerusalém, convivendo com outros como ele, pessoas sem nome, sem família e sem amor. Estava desfigurado, a lepra já havia tomado todo o seu corpo, não conseguia mais diferenciar o frio do calor, não conseguia mais sentir nada, sua vida era sem sentido, tinha deixado de ser humano, era apenas uma coisa.

Tomado de desespero, não dormia mais. Foi quando ouviu falar de um homem que trazia esperança aos perdidos. No início não acreditou, mas era impossível ficar surdo às histórias que cada vez aumentavam mais sobre ele, tinha uma mensagem diferente de todos os grupos que conhecia. Não falava de forma legalista como os fariseus, pois tinha uma mensagem de inclusão social aos degradados da sociedade. Não era materialista como os saduceus, pois ensinava sobre a importância de um viver espiritualizado, tampouco estava sintonizado com os essênios, pois ensinava a amar os inimigos, oferecendo até o outro lado da face. Não sabia quem ele era, mas tinha uma certeza que cada vez mais crescia dentro de si; precisava encontrar-se com esse homem.

Pensar novamente em sua família, a simples menção desse homem fez brotar dentro de si novamente a esperança. Soube que estava proferindo um Sermão não tão longe dali. Os riscos eram muitos, mas o que era a morte para quem já tinha sido sepultado vivo, contra tudo e contra todos foi ao encontro daquele homem.

Em silêncio foi penetrando a multidão, nunca havia visto tantas pessoas reunidas em um local que não o Templo, a força das palavras daquele homem preenchia o vazio de seu coração: “Felizes são vocês, os pobres, pois o Reino de Deus é de vocês. (…) Felizes são os que choram, pois irão rir novamente.”. Havia autoridade em tudo o que dizia, eram como chuva em terra seca, cada palavra dita trazia à memória cada coisa esquecida por causa do seu sofrimento. Lembrou-se novamente da família, dos abraços dos filhos cada vez que retornava para sua casa, dos beijos ardentes de sua mulher e principalmente dos abraços que ganhava. Percebeu que estava chorando, suas lágrimas agora não eram mais de tristeza ou de mágoa, era desejo de voltar a viver.

Foi quando percebeu que estava próximo do Mestre, com toda a coragem que estava sentindo nesse momento, jogou-se à sua frente e ajoelhando-se clamou dizendo: “Mestre, eu sei que o Senhor pode me curar se quiser”. Lembrava-se do quanto havia questionado Deus sobre sua doença e até do ódio que sentiu por estar naquela situação mesmo sem ter cometido nenhum erro, mas ao ouvir aquele homem dizer que as pessoas que tivessem o coração puro seriam felizes, pois veriam a Deus, não teve mais dúvida, estava diante de um profeta!

Porém nunca imaginou o que estava por acontecer. Aquele homem quando o viu, parou para escutá-lo. Ninguém já o ouvia há muito tempo, pois tudo o que dizia era “maldito”, ser ouvido pelo Mestre era algo inusitado, mas ser tocado por ele era totalmente inesperado.

Quando o mestre lhe abraçou, disse bem alto: “Eu quero que você fique limpo!”. Sentiu uma descarga de energia percorrer por todo o seu corpo, não sabia explicar o que ocorria, mas nunca sentiu nada igual. Sentiu o calor do sol na sua pele, sentiu a brisa suave do sopé da montanha, sentiu o cheiro gostoso e suave que vinha da relva onde pisava, mas, sobretudo; sentiu o toque de outro ser humano em seu corpo. Sendo desprezado pelos homens ele tinha sido abraçado por Deus!

“Vá ao sacerdote e se apresente e prove a todos que você está curado!”. Não sabia se ria ou se chorava, sua doença tinha sumido. A multidão estava atônita, o silêncio reinava, um misto de medo e espanto havia tomado a multidão. Nunca ninguém tinha feito isso. Aquele homem, um simples carpinteiro de Nazaré, era diferente de todos, ele tinha certeza dentro de seu coração que estava diante do Messias. Sua dignidade havia sido restaurada. Suas mágoas desapareceram, suas angústias chegaram ao fim. Agora entendia o que o Mestre havia dito na montanha: “Felizes são os que choram, pois irão rir novamente.” Estava pronto para voltar para casa, seu coração estava curado.