ELA TINHA DENTRO DE SI A DIACONIA

Cafarnaum é a cidade escolhida pelo Carpinteiro para residência após iniciar sua missão, seus primeiros discípulos e amigos moravam também ali, eram eles pescadores, gente humilde e pobre, que convivia com o sofrimento imposto por um governo corrupto e por uma religião que criava dependência e nunca liberdade. Havia ali uma sinagoga frequentada pelos homens que impunham o rigor da lei, desumanizada e distante acrescentando ainda mais peso ao sofrimento do povo, a ponto de ter entre eles um em especial que sofria as intempéries de ter sua mente possuída e escravizada pelo mal.

Era um dia de sábado e logo pela manhã bem cedo estava o Mestre na sinagoga a ensinar, sua mensagem era diferente, não falava dos rigores da lei e sim de como Deus se importava com o sofrimento de seu povo, falava do poder do amor e da amizade, ensinava com autoridade, havia força em suas palavras e foi naquele local que Jesus realizou o que Marcos registrou como o seu primeiro milagre. Tomado pelas forças do mal, um homem convulsiona e grita ao que Jesus repreende e com a autoridade que lhe era peculiar ordena que o mal se retire e assim aquele homem prisioneiro que era se viu pela primeira vez livre. Isso deixou a todos estupefato.

Encerrada a reunião o Mestre sai com seus amigos Tiago e João e vão à casa de Pedro e André, pois se tinha algo que o Mestre amava eram as reuniões entre os amigos, ele sempre preferiu o encontro com o povo, nas ruas, à beira do lago, nas montanhas e nas casas, nestes lugares todos tem acesso, no templo e nas sinagogas somente os homens, mas nas casas estavam as crianças, os homens, os estrangeiros, os doentes e as mulheres.

Algo marcante na vida daquele Carpinteiro era a dignidade com que tratava as mulheres em uma época em que elas eram tratadas como objeto de posse de um homem e eram consideradas como naturalmente infiéis e falsas por isso jamais podiam servir como testemunha. Podia ser rejeitada por seu marido a qualquer instante e obrigada mesmo a conviver com a poligamia deste ocupando posição inferior ao homem. Não podia andar ao lado de seu próprio marido, tinha que manter certa distancia na rua. Não podia estar na mesa com os homens, comia em local separado chamado de gineceu, o espaço restrito as mulheres e aos membros daquela família, os homens autorizados a entrarem neste espaço tinham que ser ligados à mulher por laços de parentesco. Cabia à mulher permanecer em pé, pronta para ajudar o marido a qualquer instante tendo como obrigação lavar o rosto, as mãos e os pés dele. Depois do parto ela permanecia impura por quarenta dias se a criança fosse homem e o dobro do tempo se fosse mulher. Se não houvesse ao menos dez homens judeus, o culto não era celebrado, mesmo que uma centena de mulheres estivesse presente. Ela plantava, colhia e moía os cereais, preparava o pão, cozinhava, buscava água nos poços, fiava e tecia o linho e a lã para fazer as roupas e educava os filhos, mas não tinha valor social naquela sociedade patriarcal exclusivamente machista.

Mas vem o Carpinteiro com uma proposta diferente, se Marcos diz que o primeiro a ser curado é um homem, logo para dar dignidade e mostrar que o Reino de Deus é diferente da religião opressora Jesus cura uma mulher. Ele não se preocupa em ser chamado de subversivo ou imoral, mesmo sabendo que era prática inconcebível para um rabino ter um grupo de mulheres seguindo-o como discípulas e mesmo viajando com ele. Sua proposta era de igualdade, curava indistintamente homens e mulheres, conversava sozinho com elas e mesmo chegou a tocar um corpo de uma mulher morta trazendo ela à vida. Modifica e acaba com as exigências da família patriarcal constituindo uma nova comunidade familiar, onde marido e mulher, pais e mães, filhos e filhas, irmãos e irmãs são essencialmente filhos de Deus e iguais em valor, integrando ao Reino de Deus aquelas que haviam sido excluídas pela religião cega e opressora.

Proclamando o Reino de Deus, abrangendo e empoderando as mulheres, quer fossem judias ou estrangeiras, proclamando os direitos dos pobres e a justiça de Deus que chegou para ouvir quem vivia na solidão, enxergar o oprimido aprisionado por uma sociedade injusta, dar amor a quem só recebia desprezo, dar valor a quem era esquecido, libertar os cativos e trazer riso em lábios que só sabiam chorar permitindo que sonhos voltassem a existir e que as lagrimas fossem de alegria, acabando com o luto de quem se acostumou a ser descartado como algo sem valor.

Naquela tarde todos entram no androceu, o espaço masculino onde o homem oferecia banquetes, recebia visitas e celebrava com os amigos, tinham muito para falarem entre si, o homem possuído pelo mal estava agora livre, a manhã foi de muita alegria e surpresa, mas não há comida na casa para ser servida, na casa onde Jesus foi convidado a passar aquele dia não havia alegria, pois a mulher que ali reside está impossibilitada ardendo em febre, a sogra de Pedro está doente.

Mais uma vez o Carpinteiro surpreende a todos, pois ele entra no espaço reservado na casa somente as mulheres e vai até onde a sogra de Pedro está deitada. O Mestre vai onde está o doente, pois sabe que há uma impossibilidade deste vir até ele; Toma-a pela mão, pois dentro de um processo de exclusão a que as mulheres estavam submetidas ele sabe da importância do toque; Levantou-a, pois conhece a fragilidade do adoecido, sabe que essa mulher não podia ser sujeito com agir próprio; E a coloca de pé, pois conhece o desejo do coração e sabe que aquela mulher tinha dentro de si uma vontade de ser útil e servir.

E logo depois que ela foi curada, ela se pôs a servi-los. O Mestre ensinava que o maior no Reino de Deus é sempre aquele que serve, era exatamente isso que ele viu nos olhos da sogra de Pedro, um desejo de ser útil na casa, um prazer em servir comparado ao próprio prazer de Jesus em também servir, por isso ele a cura, pois ela tinha dentro de si a diaconia, uma diaconia presente nas mulheres até o ultimo instante do ministério de Jesus, mulheres que seguiram e serviram fielmente àquele que veio para libertar os cativos, o Carpinteiro Marginal chamado Jesus.

Jairo Carioca, escritor, teólogo, psicanalista, autor do livro “Crônicas de um divã feminino” pela editora Autografia.

Jairo Carioca
Enviado por Jairo Carioca em 17/10/2017
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