FRONTEIRO AO ABISMO

No outono tudo é gris, talvez nebuloso, como bem sugerem os dias de namoro com a finitude nunca desejada. A contagem conotada ao primaveril pode vir a ser, também, uma antevisão do que os pólens da fertilidade sugerem: a renovação de luz crescente de intensidade, cores quentes, vida que se renova nos campos, flor e itinerários. Porém, pra quem está de bem com a vida ou a colore com a imagética das metáforas e das figuras de linguagem, independem as estações. Porque nestes domínios até a farsa, a fantasia, o sonho, se tornam verazes pela fortaleza do estro criador talentoso, pujante, e vivificam o momento de felicidade. Até porque é o poeta-leitor quem vai trazer ao (seu) mundo dos fatos aquilo que lhe apraz... Nos outonos da maturidade profícua (como queria o grande Cícero, orador primoroso, advogado, filósofo e senador romano, em "De senectude" ou, noutra diferente versão lusíada do título, “A Terceira Idade”, livro que o imortalizou) real e inevitavelmente procriam o desterro e amiúda a esperança na trajetória vital para além do Letes, com o seu barqueiro de despedidas. Fronteiro ao abismo, antes do mergulho, nunca se sabe a profundidade do fosso. Alguém, por certo, saberá? Esta sim, lucidamente, parece-me ser a pedra filosofal do existir, em seu patamar de finitude...

– Do livro A VERTENTE INSENSATA, 2017.

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