EM SILÊNCIO



Diário de minhas andanças
(27/09/2009)


Introspectivo sento-me em um dos bancos defronte a "Unicentro" (Universidade Estadual do Cento Oeste do PR).
É domingo.
Uma tarde de domingo, quase começo de noite.Naquela hora em que nos assolam os tais "olhos de penumbra",como diz a minha amiga Tânia Alvariz, aqui do recanto das letras.
Retornando de seu passeio alado, cruza por mim uma borboleta.A pouca luminosidade da tarde impede-me de perceber-lhe as cores.
Voa.
Sôfrega, embriagada de nectares.
Sacodem-se as asas impulsionando-lhe num vôo cambaleante.Toma o rumo do bosque e a escuridão verde da mata acolhe-a em seus mistérios.
Em silêncio, reflito silêncios.
Maçiço é o silêncio que dorme no prédio enorme à minha frente, agasalhando em concreto as memórias de um antigo seminário. Aquêle !...
Que tão bem conheci, por onde bebi o sol das manhãs de domingos filtrado em tôdas as cores nos vitrais da capela...
Orei em missas solenes.
Aleluia !... Um coral de quase uma  centena de vozes.
As escadarias, os corredores trazendo em veludo os passos de Madre Placidina e as freiras do Sagrado Coração.
As vestes imaculadas, os mantos brancos, esvoaçantes revoadas.
[Pombais de liberdade aos ventos do Sul]
Perpétuo êste silêncio de agora, capaz de reter entre as paredes o murmúrio de um tempo de fé que hoje acolhe em seus compartimentos a força divina da luz do saber.
Oposto ao maçiço, o meu silêncio é cambaleante, frágil e fugidio feito o alar daquela borboleta.
Confusos em nossos destinos.
Somos apenas, sêres despercebidos à visão prática dos homens. Destes  homens tão atentos aos números,às descobertas revolucionárias,às novidades do mundo moderno que explodem à cada fração de segundo tornando o planeta cada vez menos humano.
Sinto-me repentinamente um ser patético, ingênuo, um alienado observador de vôos borboletísticos.
Acabo rindo com pena de mim mesmo.
Uma imagem de São Francisco, remanescente do então Seminário, afixada sobre um tronco deitado na grama,aponta-me com o dedo para um céu que já começa a parir as primeiras estrelas.
É hora de voltar.
Dou a partida e saio dirigindo lentamente.Os espaços são todos meus, não há movimento. O caminho de volta é meu velho conhecido. A ponte, os pinheiros, o viaduto sôbre a linha férrea...
À beira do charco coaxam os sapos e o abandono dos ecos se embrenha na noite que em consolo lhes oferece tão sòmente o negrume e uma esguia fileira de pés de eucaliptos que vistos de longe lembram sombrinhas.Aquelas!...
[Quando desarmadas, deixadas a êsmo em algum corredor]
Luzes enquadram janelas em casas semeadas aqui e acolá.
Reflito na borboleta.
Um tronco, uma ramagem, um galho qualquer, é seu lar, seu refúgio,um canto a lhe acolher.Também eu em retorno tenho um canto à minha espera.
Vêm-me à lembrança um antigo pano de parede na casa de minha infância.As mãos sonhadoras de minha mãe o haviam bordado há mais de cinquenta anos.
A estampa:
Um ninho de pássaros sobre um galho e os filhotes sendo alimentados nos bicos.(Certamente inspirado na lata de leite Ninho )
Os dizeres:
"Assim como os pássaros voltam aos ninhos,volta um esposo ao lar que tem carinho".
Por um instante revisto-me dum pássaro voltando.Pensamentos alados conduzem-me ao sublime refúgio do lar que por mim aguarda. Experimento a  sublime sensação do aconchego.
De repente me dou conta de que as janelas multiplicaram-se.São agora dezenas,centenas...Sugerem-me  olhos noturnos, absortos a espiar as trevas.
Em vão eu sigo tentando adivinhar as vidas, introspectivas, atrás de vidraças,no meio da noite com vagas estrelas piscando no céu.
Joel Gomes Teixeira

Texto  reeditado.
Preservados  os comentários ao texto anterior:


15/05/2016 14:37 - Leila Celia Wodonos [não autenticado]
Reli pela segunda vez e emocionei -me com mais profundidade. Chorei mesmo!!! É muito lindo.


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16/08/2013 23:16 - Lisyt
Para ler, reler e se emocionar mil vezes!Bem aventurado aquele que se enternece com o voo de uma borboleta: Eis um grande poeta! Abraço e Boa noite.


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26/02/2012 11:13 - Ione Rubra Rosa
Sua história me fez viajar. Nessa sua simplicidade vejo uma intensa reflexão.Adorei,Joel.Lindo dia.bjs no coração


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25/07/2010 01:04 - Giustina
Joel, é lugar comum eu dizer que me encanto cada vez que te leio. Tuas crônicas me despertam saudades doces da infância, nostalgia de um tempo tão bom, trazem à tona lembranças esquecidas no tempo, alegria, melancolia... É uma mistura de sentimentos! Tens o dom de despertar o nosso lado bom! E isso é bommmmmmm! 


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24/07/2010 15:16 - Lisyt
Joel,Os encantos de seus textos renascem a cada releitura. Você tem a poesia na alma.// Férias... Como todos saíram: Estou aproveitando, alguns momentos deste sábado, para abraçar o amigo do Recanto.Fique com Deus


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24/07/2010 12:17 - tania orsi vargas
Meu amigo Joel, esta tua narrativa me fez borboletear e por instantes tirou o peso da minha alma. Toda a sabedoria dos homens não vale um instante sequer deste encantamento que você tem com a vida e consegue nos passar em suas letras mais do que encantadas. Abraços !!


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23/07/2010 05:10 -
E eu que, um dia, lhe chamei de cantor de churrascaria, hein Joel! Que sacrilégio, para um poeta da altitude sua, que nos brinda com um texto maravilhoso. Peço-lhe desculpas, caro amigo. Mil! Abraços


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22/07/2010 23:27 - Maria Olimpia Alves de Melo
Mais uma história simples mas tão bonita que a gente não se  cansa em reler. Vc tem um dom para juntar palavras que parece torná-las encantadas


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22/07/2010 23:15 - Maria Dilma Ponte de Brito
Joel, suas expressões são riquíssimas: " o céu já começa parir as primeiras estrelas","as janelas de olhos noturnos absortas a espiar as trevas". Que lindo! Você recebeu meu livro?


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22/07/2010 21:46 - AndreaCristina Lopes
sempre nos imaginamos do outro lado, do outro lado do pensamento, controverso ao que propoe o vento! Linda sua prosa. Parabéns!