Mudança

Certo dia fui abordado por uma vizinha que admirava um pé de romã bem no fundo do meu quintal. Ela vinha me pedindo, fazia tempo, uma muda da planta. Selecionei algumas sementes da fruta madura e joguei-as num canteiro, algo simples de se fazer. Só que não deu certo. Mas não é que a Mãe Natureza cuidou disso, acidentalmente, creio – e acho que é sempre assim que ela faz – com uma bela semente caindo no meio da minha horta? Foi assim, com a ajuda dos ventos e do adubo do lugar, a uns poucos metros do pé de romã, que nasceu tal descendência. Imediatamente comuniquei à minha vizinha que já tinha a muda. Da sua parte, foi uma satisfação só:
- Que notícia boa! Sorri também, para, imediatamente, acrescentar:
- Ela ainda está no meio da minha horta de couves e espinafres e será preciso transplantá-la para um vaso. Somente depois disso é que poderei entregá-la a você. A moradora sorriu:
- Não tem problema. Pode ir cuidando dela por aí que eu espero com paciência.
Assim, extraí a planta do chão, passando-a para um vaso plástico. Para não vacilar nos necessários cuidados, coloquei o vaso bem visível na extremidade de um canteiro. Infelizmente, dias depois, um esguicho mais forte de mangueira revelou-me inúmeras folhinhas caindo na terra. Em princípio, pelo outono em que estávamos, pareceu-me normal. Mas não. A cobiçada plantinha não havia se adaptado à mudança e estava, simplesmente, morrendo. Deduzi que, ou havia feito algo de errado na raiz da planta, ou colocado adubo inadequado. Imaginei que, ao transplantá-la, pudesse ter ferido a sua coifa, um órgão vital para o crescimento da raiz. O fato é que, enquanto estava na horta era uma graça de plantinha, e agora eu a via se definhando lentamente.
Uma semana se passou. Sem nenhuma solução e, por motivos óbvios, passei a evitar contato com a minha vizinha. E não é que num sábado, observando os canteiros com mais cautela, me deparei com uma boa surpresa? É que bem no centro da plantinha surgira uma minúscula folha verde, um claro sinal de vida. Ela não estava mais morrendo. Logo outras folhas vieram, enquanto eu, agora entusiasmado, era só cuidados com aquele heroico vegetal. Para sobreviver, ela havia se desfeito dos galhos e folhas e, forçosamente, começado uma vida nova naquele vaso. Sofreu, mas aceitou a mudança ficando preparada, acredito, até mesmo para vir a habitar outro terreno, desta vez em definitivo.
Enfim, chegou o dia da entrega da muda. Mais experiente, recomendei cuidados à vizinha na hora de recolocá-la em novo solo. Aproveitei para pensar um pouco na vida, nos momentos em que temos dificuldades com mudanças, principalmente ao ser forçados a elas. Porém, para quem, diante de uma provação, tem esperança e fé em Deus, as coisas acontecem maravilhosamente e no tempo certo. As folhas perdidas por aquela muda pertenciam ao quintal antigo, ao seu passado. A nova folhagem passou a fazer parte de um novo quintal. A planta, porém, é a mesma, numa história demasiadamente comum, mas que nos fazer refletir melhor. Tudo tem seu propósito, um desígnio de Deus. O que devemos cuidar é para não antecipar insatisfações e sair demonstrando-as ao mundo com impaciência e revolta. A serenidade deve imperar para, calmamente, moldar as alegrias do nosso amanhã.
Quanto à minha vizinha e seu pé de romã, tempos depois, eu a surpreendi com a netinha na porta de casa numa bela manhã de domingo. A filha a visitava e a alegre vovó era só mimos com a espevitada criança. Ao ver-me, sorriu toda contente:
- Olha só quem eu descobri que adora romãs! Ela tem apenas quatro aninhos e come a fruta como se fosse a mais gostosa desta vida! Se eu deixar, ela quer colher romãs todos os dias. Respondi:
- É mesmo! Parece que ela adora romãs.
Sorrimos e segui meu caminho.

Luciano Abreu
Enviado por Luciano Abreu em 06/11/2017
Reeditado em 22/11/2022
Código do texto: T6164174
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