ÁVILA – IMPERDÍVEL LEITURA

Em ônibus de turismo, viajamos de Madrid com destino a Ávila, província da comunidade autônoma de Castela e Leão, pertencente ao antigo reino unificado de Castela e Leão. Esta foi nossa primeira viagem a esse recanto histórico e belamente ornamentado por palácios e monumentos do século XVI.

A certa distância do nosso destino, vislumbramos, no alto de um penhasco, uma enorme cruz indicativa do local onde foram sepultadas mais de quatrocentas mil vítimas da Guerra Civil Espanhola, ocorrida de 1936 a 1939.

Segundo narram lendas mitológicas, Ávila teria sido fundada por Alcideo, filho de Hércules. Outras versões dão conta de que a fundação da cidade deve-se aos celtas, povos indo-europeus que se espalharam por parte da Europa, a partir do século II a.C. Os celtas eram conhecidos por quatro designações diferentes, quais sejam, celtas, gálatas, galos e gauleses. Eles ocuparam diversos territórios da Península Ibérica, até serem conquistados pelo império romano.

Os romanos foram os segundos dominadores e patronos da denominação pela qual a cidade é conhecida hoje em dia – Ávila, situada a 1.100 metros acima do nível do mar, medindo cerca de 250 quilômetros quadrados, destinados a abrigar, atualmente, em suas ruas estreitas e aconchegantes, uma população de 58.000 habitantes.

Com a derrocada do império romano, diversas contendas fragilizaram as defesas e o desenvolvimento da região, até que, no século VIII, passou a ser dominada pelos árabes. Foram 280 anos de soberania muçulmana, terminada com a reconquista da cidade, em 1088, por Alfonso VI, monarca do reino de Castela e Leão.

A normalidade de Ávila, contudo, não se deu exatamente nessa época. As escaramuças militares em torno do perímetro urbano dificultaram o povoamento e o crescimento econômico e social do lugar.

Para solucionar o problema demográfico, o rei Alfonso VI deu ordens a seu genro, Raimundo de Borgoña, esposo de sua filha caçula, Urraca, para propiciar meios de povoar a cidade. E ele o fez. Concedeu benesses aos vizinhos, doou-lhes terras férteis para o cultivo do campo e a realização de demais atividades produtivas. Com isso, acelerou o desenvolvimento econômico e o povoamento da comuna. O progresso histórico de Ávila, todavia, somente ocorreu a partir do século XI, estendendo-se a meados do século XII.

No ano 1090, com o objetivo de reduzir o clima beligerante na região, Raimundo de Borgoña construiu muralhas para defesa de seus domínios, conforme já havia feito os romanos em épocas passadas. Para tanto, Borgoña contou com o desmedido trabalho de até três mil operários, entre os quais, prisioneiros árabes, oriundos da conquista territorial pelos cristãos, em 1088. Não é por menos que, hoje, existem 2,5 quilômetros dessas obras, embelezando a paisagem urbana.

As muralhas de Ávila, obra prima da arquitetura medieval, constituem o maior símbolo de sua histórica existência. Medem 12 metros de altura por três de largura, possuem 88 torres cilíndricas, seis portas maiores, destacando-se as Portas de Alcázar e de São Vicente, cujas torres, de 20 metros de altura, complementam, juntamente com três portas de menor dimensão, a imponência das muralhas de Ávila. As demais portas constantes desse colosso são a Porta do Peso da Farinha, Porta do Marechal, Porta do Poente, Porta do Rastro, Porta da Santa (referindo-se a Santa Teresa), Porta de São Segundo e Porta da Malaventura, esta última assim denominada para lembrar uma lenda de duvidosa realidade. Desculpe-me o leitor, por eu ter ousado nomear as portas existentes nas muralhas de Ávila, em nosso idioma pátrio, mas a intenção foi torná-las mais familiares.

À esquerda da Porta de Alcázar, já mencionada em parágrafo precedente, encontra-se um monumento erigido em memória de Santa Teresa de Jesus, ilustre e devota filha de Ávila, de quem falarei adiante, ao comentar visita ao Convento das Carmelitas.

Bem conservadas, as muralhas de Ávila revelaram-se resistentes e longevas por nove séculos. Resistiram às intempéries climáticas e às investidas bélicas dos inimigos que assediaram a cidade no passado. Hoje, esses quase inexpugnáveis muros não servem mais à defesa de seus domínios. As ações defensivas ficaram para trás e cederam lugar à contemplação turística, exibindo-se, soberba, aos milhões de visitantes anuais.

As muralhas ainda guardam aspectos originais da edificação primitiva, mesmo com as substanciais reformas ocorridas no século XVI. Em alguns trechos, exibem antigas construções efetuadas pelos romanos, que teriam usado materiais oriundos de ruínas deixadas pelos celtas, durante os anos de dominação da qual foram protagonistas.

Esses muros de proteção são incomparavelmente superiores aos demais existentes em qualquer parte do mundo, exceto no que respeita às Muralhas da China. Tiveram grande importância para garantir o afluxo de novos habitantes, carentes de segurança, vindos da própria Espanha.

Visitamos a Catedral de Ávila, magnífica construção que ultrapassou séculos para ser concluída. Por não ser possível asseverar a data de início das obras, diz-se ter ocorrido durante os séculos XII e XIV. Há, porém, os que admitem ter sido iniciada no ano 1091, mediante exame de alguns documentos históricos. Meados do século XII seria o período provável.

A forte estrutura física do templo demonstra a preocupação reinante na época, assolada por invasões de aventureiros conquistadores. Erguê-la tão forte materialmente seria transmitir aos beligerantes invasores a ideia de resistência capaz de impedir-lhes o intento belicoso.

Em estilo gótico, ou seja, à moda vigente na Europa ao final da Idade Média, a catedral foi erguida a partir de restos de um templo preexistente. Sua conclusão data do século XIV, quando foi consagrada a São Salvador. A porta principal, denominada Porta dos Apóstolos, contém gravuras dos doze discípulos de Jesus, seis em cada lateral, e, no centro, a figura excelsa de Cristo Varão de Dores.

Na parte interior, existem três naves, a central com 28 metros de altura, separada por gigantescos pilares. Vemos, também, lindos relevos produzidos entre os anos de 1531 e 1536, simbolizando a presença de Jesus no altar e a adoração dos Reis Magos. Nas naves laterais, podem ser vistas diversas capelas, quais sejam: a de Santo André, que ostenta o sepulcro de Esteban Domingo, ou Estevão Peres de Ávila, alcaide de Ávila, isto é, governador da cidade, e que também militou durante a guerra contra os mouros; Capela da Piedade, exibindo escultura de Michelangelo; Capela de São Nicolau, com túmulo do bispo Fray Hermando; Capela de Nossa Senhora das Graças; Capela de São Segundo, em cujas dependências sepultaram o corpo do santo... Outras capelas existem, porém não as cito por desconhecer as respectivas denominações, bem como os detalhes sacros e artísticos que a compõem.

Em algumas dependências da catedral, requintados mausoléus consignam a existência de corpos de ilustres personalidades do clero, recolhidos aos páramos celestiais. Um deles é do bispo Alonso Fernandez de Madrigal, conhecido por El Tostado, clérigo, acadêmico e escritor espanhol, que foi bispo de Ávila de 1454 a 1455, ano de sua morte.

O Museu da Catedral expõe peças de alta significação artística e sacra. Lá, poderão ser vistas telas representando A Purificação e A Anunciação, obras estas produzidas no século XV, além de peças de Vasco de la Zarza, uma Bíblia do século XII, e pia batismal do século XV. E mais poderá ser visto desde que o visitante disponha de tempo suficiente para peregrinar pelas amplas dependências da Catedral de Ávila.

Paremos por aqui. Provisoriamente. Na próxima crônica, ainda falarei muito a respeito de Ávila e de sua rica história. Não perca a oportunidade. Aguardo a atenciosa leitura do bom leitor.

Hasta pronto!